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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. QUEM É MESMO ESSA PERSONA.

     Militar na advocacia criminal empresarial proporciona, com maior assiduidade, a oportunidade de desfrutar de uma posição, se não esquecida, um tanto quanto obscura no processo penal: a assistência de acusação.  Nesta jornada, é fácil contatar o quão desprestigiada é tida a figura do assistente de acusação. Se sua posição na estrutura persecutória encontra-se bem definida nas linhas do Código de Processo Penal (CPP)– agente auxiliar do Ministério Público (art. 268) – igual atenção não dispensou o nosso legislador ao estipular de forma categórica os seus contornos, o que acarreta uma infinidade de questionamentos sobre sua razão de ser e de atuar processualmente.
 
     O passar de olhos sobre das minhas palavras. Pois bem. Se pela omissão legislativa, ou pela, senão ausência, mas quase marginalizadas menções doutrinárias, o certo é que o advogado assistente se torna uma figura quase errática na persecução criminal, um pária à procura de seu posicionamento no sistema de castas dos integrantes dapersecutio criminis. Sobre a afirmação acima, mister o esclarecimento: originariamente, este artigo seria intitulado como "Assistência de Acusação: a persona non grata do processo penal". Mas, de logo percebe-se que não seria condizente com a realidade. Em verdade, o auxiliar acusatório tem seu desprestígio estendido para além da relação processual, para se apequenar, por imposição sistêmica-cultural, também na primeira fase da apuração criminal: a chamada fase pré-processual.
 
     Ao tentar protocolar uma notitia criminis – tida como um ilegítimo impropério num ambiente onde o termo deveria soar natural – surge toda sorte de contragostos. A mais frequente, por mais absurda que possa parecer é "a delegacia não recebe este tipo de ''denúncia''". Seguidas, assustadoramente, por "somente se registra crime via boletim de ocorrência" e "somente a vítima poderá registrar a ocorrência"... Um sem-fim de barbaridades que seriam suficientes para a realização de inúmeros artigos-desabafos como este. Não bastasse o rosário de incredulidades, as agruras continuam após a guerra para protocolação da notitia. Agora, a dificuldade fica adstrita a convencer o Delegado de que você, advogado da vítima, não almeja substituí-lo em suas funções administrativas. Entretanto, o contrário não significa diligenciar as fases inquisitoriais, no mais das vezes, quase como uma "dama de companhia", aquiescendo aos ditames do presidente do inquérito [03], quando poderia colaborar eficazmente para a otimização do procedimento, posto ser conhecedor direto das mazelas albergadas pela vítima.
 
     Tradicionalmente, busca-se fundamentar a razão de ser do assistente de acusação como terceiro interessado no deslinde do feito penal por almejar o título executivo judicial favorável à demanda cível – ação civil "ex-delicto".
    Cremos, não obstante, que a questão não se encerra neste obtuso aspecto. A atividade supletiva do assistente ministerial ultrapassa, em muito, a simples equação econômica-patrimonial. Consideramos a intervenção do ofendido não como um resquício, puro e simples, da privatização do processo penal. Sob uma nova perspectiva, a vítima torna-se parte contingente, na lição de Tourinho Filho, mas efetiva do processo, fiscalizando seu regular feito, numa verdadeira postura de custos legis, consoante pontifica Eugêncio Pacelli de Oliveira (2008, p. 404):
"Parece-nos inteiramente divorciado da nossa ordenação o entendimento segundo o qual o único interesse da vítima na ação penal pública é a obtenção de título executivo para a satisfação de Direito Civil reparatório. Se assim fosse, por que reconhecer a ele o direito à ação penal, quando a via do juízo cível estaria também à sua disposição no momento da provocação da jurisdição penal, com a instauração da ação privada subsidiária da pública?"

     Quanto ao argumento muito difundido, mas, ao nosso entender, inconsistente, de que o assistente de acusação consubstancia em desregulador da harmoniosa relação acusação x defesa, replicamos antes de qualquer coisa: tal "proporcionalidade" nunca existiu entre as partes no processo penal!
    A dita paridade de armas é, em verdade, ao menos em terras tupiniquins, utopia. As razões, das mais sutis às mais escabrosas, vão desde a relação mui promíscua existente entre os órgãos de acusação e de jurisdição, visto, amiúde, em salas de audiências criminais, bem como pelo próprio endosso estatal.
    Exemplo disso é que somente no ano de 2006, passado 18 anos do mandamento constitucional (art. 134, parág. 1º, CF), o maior estado do país, São Paulo, obteve a sua primeira defensoria pública estadual. Nesta esteira, o estado de Goiás, ainda hoje, lamentavelmente, sequer possui a aludida instituição vital à democracia brasileira. Negar estes fatos é declarar "miopatia".
     A desproporcionalidade, que possui verdadeiro esteio institucional, é deplorável. Mas, torna-se ainda mais vergonhosa quando usada como subterfúgio para a recusa da efetiva participação da vítima na relação processual. Ao invés de pender qualquer balança, a assistência busca satisfazer os interesses daquele ser único (não a sociedade como um todo), não à guisa de vingança privada, pura e simples, mas, sobretudo, de fazer valer verdadeiramente a sua voz nos autos.
     Entendemos ser passada a hora de retirar do limbo a figura da vítima impassível, isolada e desamparada no contexto processual. A titularidade, constitucionalmente erigida, da ação penal pelo Ministério Público não implica obrigatoriamente na exclusão da vítima da participação efetiva no deslinde do processo criminal. Entender assim é apreciar de forma obtusa os clamores sociais.
Neste sentido, Pallamolla (2009, p.46):
"Debater qual deva ser o papel da vítima no sistema penal, quais são seus direitos e suas necessidades, implica olhar o direito e processo penal desde outra perspectiva. Significa resgatar alguém que foi esquecido tanto pelo direito quanto pelo processo penal moderno."

E prossegue:
"O direito penal esqueceu da vítima ao tratar apenas da ''proteção de bens jurídicos'' desde o viés do castigo àquele que cometeu um delito, e negligenciou o dano causado à vítima e a necessidade de reparação. Além do direito penal, também o processo penal esqueceu da vítima ao deixá-la à margem do processo e sem proteger seus direitos"

     A reforma pontual do ano de 2008, entendemos constituir-se num passo significativo neste caminho. Resgatar a vítima do obscurantismo em que vivia, retirar-lhe do ostracismo para proporcionar-lhe, senão protagonismo, mas um papel de maior destaque na encenação processual, é posição imprescindível numa moderna sistemática processual-penal.
     O defunto, aqui, merece respeito. O defunto, aqui, merece todas as velas, sob pena de obscurecer a finalidade material do processo penal.
 
 
 
 
 
 
advogado
Graduado em Direito pela Universidade Salvador - UNIFACS. Pós-graduado lato sensu em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito e JUSPODIVM. Professor de Processo Penal e Prática Penal. Autor de diversos artigos jurídicos.
 

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