Uma vítima real, de uma história inventada. Vedação da autotutela e a responsabilidade pelo contexto que ajudamos a criar.
Uma jovem universitária entra em um ônibus da capital gaúcha. Um homem careca, com altura aproximada de 1,80 metros, olhos claros e visivelmente agressivo, encosta uma faca na barriga da moça e a obriga a descer quando ouvisse a ordem.
Alguns minutos depois, em uma parada localizada em uma das principais avenidas da capital, o homem deu o comando e não tendo outra alternativa, a moça acatou e desceu.
Sob a mira da faca, a jovem foi conduzida a uma praça onde o agressor praticou a agressão sexual. Durante o ato, após enxergar uma situação favorável, a jovem conseguiu libertar-se do agressor e fugir.
Trata-se de um fato espantoso. Algo que infelizmente acontece corriqueiramente em nosso país. Algo muito triste e chocante para qualquer pessoa que entenda a diferença mínima entre certo e errado.
Por óbvio, tal situação foi registrada na Polícia (ocasião em que foi aberto inquérito). Acontece que a jovem, a punho próprio, fez um retrato do agressor que como de praxe, foi parar nas redes sociais.
Pode-se facilmente imaginar o frenesi que se deu em Porto Alegre por conta do retrato e dos vários outros relatos que foram aparecendo. Resumindo, criou-se a figura do maníaco do T1 (linha de ônibus usada pelo suspeito).
Estaria tudo dentro de uma certa normalidade para os padrões de comoção social que vivemos hoje. Estaria tudo certo, se não fosse um caso inventado por uma jovem abalada psicologicamente. Estaria tudo certo, se um homem não tivesse sido confundido com o estuprador do T1 e por conta desta confusão não tivesse sido espancado e esfaqueado.
E agora, como fica?
A jovem admitiu em depoimento a PC que nada ocorreu. O Delegado ao ver as imagens do coletivo, em dia e hora apontados pela “vítima”, concluiu que a jovem subiu e desceu sozinha do ônibus. Enfim, foi tudo uma grande mentira que culminou em um homem inocente surrado e esfaqueado.
Existem vários crimes que não aconteceram e que poderiam servir de exemplo para o que escreverei na conclusão deste artigo.
Aqui mesmo em Porto Alegre, um estudante de música, anos atrás, foi confundido com um estuprador, sendo preso e estuprado por dezenas de detentos do Presidio Central, para depois vir a se suicidar no Instituto Psiquiátrico Forense – alguns tempos depois, descobriu-se que ele não tinha nada a ver com o crime.
Para concluir, observo que somos totalmente responsáveis pelo que dizemos, compartilhamos, publicamos em redes sociais, inventamos ou aumentamos. O frenesi por justiça popular sempre causou e sempre causará vítimas e por isso se veda a Autotutela.
O retrato publicado pela jovem era, na verdade, um autorretrato de um artista europeu, que ela utilizou para dar peso e veracidade a história.
Hoje a jovem será indiciada por falsa comunicação de crime, e receberá tratamento psiquiátrico. Enquanto isso, o homem que foi linchado e esfaqueado, segue internado em uma unidade de tratamento intensivo.
Criminosos bárbaros e covardes existem, histórias reais existem aos montes, porém, somos todos responsáveis por contextos que ajudamos a criar!
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