Todas
as Constituições Brasileiras, com exceção da Carta Constitucional de 37,
garantiram o direito adquirido e vedaram a retroatividade da lei para
prejudicá-lo, tendo tal disposição sido assegurada, ao longo do tempo, pela
Excelsa Corte, até mesmo nos momentos mais dramáticos do Período
Revolucionário, regido pelos Atos Institucionais e pela Constituição de 67, com
a redação que lhe deu a Emenda Constitucional de 69, outorgada pelos Ministros
Militares. Portanto, é da tradição do Direito Constitucional Brasileiro
garantir a certeza do direito adquirido, fato consagrado mesmo antes da edição
da Declaração dos Direitos Universais do Homem, elaborada pela ONU, em 1949,
estando expressamente consolidado, hoje, na Carta Magna, na seguinte redação:
"A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada".
Dentre
os direitos individuais, assegurados pela Constituição, está o de que "a
lei não prejudicará o direito adquirido,...". Como se conclui da análise
do Texto, a palavra "lei" foi empregada genericamente, em latu sensu,
podendo significar dispositivo da Constituição ou de lei infra-constitucional.
Tal interpretação objetiva, acerca da conotação que lhe quis dar o Legislador
Constituinte, tendo em vista que a atual Constituição foi promulgada em
consonância com os parâmetros democráticos. Assim, consagrado está, na
Constituição, o respeito ao direito adquirido, cuja segurança não pode ser
violada por lei constitucional ou ordinária, sob pena de serem comprometidos os
princípios de certeza e de estabilidade social, objeto maior da Estado de
Direito Democrático. Portanto, ao
inserir na Constituição o inciso XXXVI, no art. 5º, o Legislador Constituinte
estabeleceu regra de ordem pública aplicável, inclusive, a ela própria, como
garantia dos Direitos Individuais e Coletivos.
O Mestre Pontes de Miranda ensinava que "A Afirmação e o reconhecimento da dignidade humana, o que se operou por lentas e dolorosas conquistas na história da humanidade, foi o resultado de avanços, ora esporádicos, nas três dimensões: democracia, liberdade, igualdade. Erraria quem pensasse que se chegou perto da completa realização. A evolução apenas se iniciou para alguns povos; e aqueles mesmo que alcançaram, até hoje, os mais altos graus ainda se acham a meio caminho. A essa caminhada corresponde a aparição de direitos, essenciais à personalidade ou à sua expansão plena, ou à sua subjetivação e precisão de direitos já existentes" (Comentários à Constituição Federal de 1967, com a Emenda nº 1 de 1969, Tomo IV, fls. 618). Seguindo a mesma linha de raciocínio, Pinto Ferreira transcreve conceito do Direito Norte-Americano, segundo o qual direito adquirido é "um direito completo e consumado, de tal caráter que não pode ser desconstituído sem o consentimento da pessoa a que pertence, e fixado ou estabelecido, e nunca mais aberto a controvérsia" (Comentários à Constituição Brasileira, 1º Volume, Saraiva, fls.150). As decisões citadas, além de colocarem em risco a estabilidade dos direitos e garantias fundamentais, insculpidos na Constituição, também, como cláusulas pétreas (§ 4º, do art. 60) e, ainda, como direitos já consumados, colocam sob ameaça todos os cidadãos, que passam a ficar expostos às vinditas pessoais e políticas dos detentores do Poder, nas suas diversas esferas.
O
inesquecível Pontes de Miranda, com sua proverbial clarividência, ensinava:
"Na técnica político-jurídica dos nossos dias, os princípios de liberdade
são regras jurídicas de alta importância, e não existem só segundo a lei.
Note-se o seu conteúdo, que é inconfundível: não se diz que alguma coisa é
assegurada segundo a lei, o que se diz é que só a lei - e não o ato do Poder
Executivo, Judiciário ou Legislativo, que não seja lei - pode limitar a
liberdade dos indivíduos. Lei, aí, é direito, porque as Constituições mesmas
prevêem que a lei (no sentido estrito, lei = ius) seja insuficiente, lacunosa,
e que o juiz decida, criando, a seu líbito, o direito que não está no texto. A
regra jurídica que se revele, há de ser proposição contida no sistema jurídico.
Não se limita a liberdade com decretos, avisos ou portarias" (Comentários
à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969, Tomo IV, fls.634).
Tais
princípios consistem, em última análise, em todos os direitos que os indivíduos,
legitimamente, opõem ao Estado, como meio eficiente de manter o equilíbrio
Estado/Cidadão. Por essa razão, foi que os Constituintes, mantendo coerência e
atendendo à consagração dos princípios adotados pela Declaração Universal dos
Direitos do Homem, inseriram-nos em nossa Constituição, mantendo a tradição,
ainda do Império. Portanto, superior, hierarquicamente, a qualquer dispositivo
legal, não deve ser restringido, por qualquer meio, inclusive, por imposição de
outro Texto Constitucional, vez que a ele se nivela, nos exatos termos de mais
uma lição do Eminente Pontes de Miranda, na citada obra, fls. 652:
"DIREITOS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS GARANTIDOS. - A
primeira classe dos direitos fundamentais é a dos direitos, pretensões e ações
assegurados. Tais direitos nascem (ou melhor: são assegurados) em normas
concernentes à liberdade, à igualdade e à democracia, entendendo-se só
limitados segundo regras explícitas das Constituições e, de ordinário, só
limitados nos termos dos textos constitucionais `segundo a lei' (isto é,
conforme limites de segundo grau, confiados ao exercício de outros direitos
fundamentais, pois a lei, nas democracias, é regra feita pelo povo, ou eleitos
pelo povo)".
Por
outro lado, no entendimento de Celso Ribeiro Bastos, "É cediça também na
nos sa doutrina e jurisprudência a afirmação de que não pode haver direito
adquirido contra a Constituição", valendo, por isso mesmo, citar a posição
do novo Mestre do Direito Constitucional Brasileiro, que defende a mesma tese,
acima exposta, a cujos princípios curvo-me, adotando-os como razões do presente
trabalho, transcrevendo-os, como segue: "De fato, se não pode haver nem
mesmo, como se viu no item anterior, direito adquirido contra a lei, não pode
haver, obviamente, direito adquirido em afronta à Constituição. O ato assim
praticado é inconstitucional e consequentemente passível de anulação. Mas o que
tanto a doutrina como a jurisprudência parecem ter em mira são os atos
praticados sob a égide de uma Constituição anterior. Então se pergunta: alguém
que gozasse do benefício de uma vantagem auferida debaixo da lei Maior
precedente poderia continuar a percebê-la debaixo da nova, ainda que esta já
não consagre a permissibilidade para a criação de novas vantagens do tipo?
O
direito de perceberem quantia correspondente a um, dois ou mais salários
mínimos por mês, não pode mais, portanto, ser declarado inconstitucional, como,
de fato, não o foi pelos referidos acórdãos, motivo porque seus beneficiários
devem continuar percebendo os respectivos benefícios, de acordo com os valores
nominais fixados nas leis que os criaram. Este é um controle que deve ser
imposto ao Estado e que ele deve cumprir e fazer cumprir e não pode ser
revogado, nem deixar de ser cumprido, pois a lei não retroage para prejudicar o
direito adquirido, principalmente, se já foi consumado, como é o caso. Por
outro lado, todos os povos democráticos do mundo, em especial o inglês, o
alemão, o francês e o norte-americano, asseguram tais conquistas. A
Constituição norte-americana de 1787, em seu art. I, seção 9, nº 3, proíbe a
lei ex post facto, ou seja, veda que lei nova retroaja seu efeito sobre
o direito adquirido. No dizer de Celso Ribeiro Bastos, na obra acima citada,
fls. 192/193, está pontificado: "Temos a retroatividade quando a lei volta
ao passado para disciplinar atos que a seu tempo não eram regulados pelo
direito ou para regulá-los diversamente.
Portanto,
o direito adquirido envolve sempre uma dimensão prospectiva, vale dizer,
voltada para o futuro. Se trata de ato já praticado no passado, tendo aí
produzido todos os seus efeitos, é ato na verdade consumado, que não coloca
nenhum problema de direito adquirido.