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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

"APARTHEID" JUDICIAL

Há pouco mais de um ano (em 05.12.13) faleceu um dos líderes mundiais de maior expressão da história contemporânea, o prêmio Nobel da Paz de 1993, Nelson Mandela.
Formado em Direito, fundou o primeiro escritório de advocacia de negros da África do Sul. Como advogado militante e ativista em favor dos direitos humanos, descobriu que a justiça em seu país pendia sempre para os brancos e que as leis eram aplicadas com parcialidade.
Iniciou uma luta incansável contra o Apartheid (regime de segregação racial), defendendo a igualdade e a dignidade de todo ser humano, mas acabou por ser preso em virtude de sua trajetória de combate à intolerância e à discriminação que assolava seu país.
Apesar de ter permanecido preso por quase 30 (trinta) anos, nunca esmoreceu e, após conquistar a liberdade, foi responsável por unir a África do Sul e instituir a democracia naquela nação.
Esta inestimável perda para a humanidade nos traz a necessidade de profunda reflexão sobre os paradigmas que balizam o sistema penal no Brasil, pois passados 25 (vinte e cinco) anos da promulgação de nossa Constituição Federal, que instituiu o Estado Democrático de Direito, ainda hoje verifica-se aqui um verdadeiro “apartheid” judicial, em especial na seara criminal, onde nossas prisões estão entulhadas de presos que, em sua maioria, são reconhecidos pela vergonhosa expressão dos 3 P’s (pobres, pretos e prostitutas).
Neste contexto, é preciso refletir seriamente sobre a verdadeira função do Direito Penal e, principalmente, sobre a seletividade do sistema prisional pátrio, a iniciar pela criminalização primária (produção da legislação penal), de cunho eminentemente patrimonialista, culminando na criminalização secundária (órgãos de atuação no sistema penal - polícia, acusação, defesa, judiciário) direcionada por uma cultura discriminatória que, ainda que inconscientemente, insiste conduzir nossas atitudes cotidianamente.
Nelson Mandela ficou preso por três décadas por tentar mostrar ao mundo o absurdo que é a intolerância e o preconceito racial.
Quanto tempo ainda será preciso para despertarmos e começarmos a transformar a cruel realidade que nos aflige?
Até quando vamos tolerar a violação dos direitos fundamentais do indivíduo e o descumprimento dos princípios constitucionais em nome da eficácia de uma justiça penal, sabidamente seletiva e excludente?.
No Estado Democrático de Direito toda e qualquer desigualdade deve ser combatida e a garantia dos direitos individuais deve ser substancial, afastando-se, assim, pseudo justificativas retóricas, que servem apenas para manter o status quoAssim, conquanto vivamos formalmente em num Estado de Direito, ainda hoje muitos de nossos dirigentes, em todos os níveis e poderes instituídos, incluindo o Judiciário, não se conscientizaram plenamente do dever-poder que lhes é atribuído e, assim, não cumprem suas obrigações constitucionais na efetiva concretização dos direitos individuais e sociais mínimos, o que contribui para o indesejado quadro de exclusão (Apartheid) que, infelizmente, se verifica na realidade do sistema prisional em nossa sociedade.






MANIFESTAÇÃO DA OAB SOBRE A MATÉRIA DO FANTÁSTICO.

Brasília - A diretoria da OAB Nacional e o Colégio de Presidentes de Seccionais divulgaram manifestação conjunta sobre a matéria do fantástico que trata de alegada cobrança abusiva de honorários advocatícios. Eis o inteiro teor da manifestação:

Diante da veiculação da matéria Advogados cobram valores abusivos para defender aposentados, no Fantástico, edição de 25/01/2015, o Colégio de Presidentes da OAB esclarece que são casos isolados e que a maioria absoluta dos advogados previdenciários atua de forma ética, honesta, buscando o justo equilíbrio na cobrança dos honorários pactuados com os clientes.
Enfatizamos que a OAB Nacional e as Seccionais estaduais da Ordem defendem uma rigorosa e profunda investigação, para a punição dos profissionais e eventualmente envolvidos. A ética é fundamental para a valorização da advocacia. Ressaltamos que atitudes como as retratadas na matéria são praticadas por uma minoria de profissionais, sendo a quase totalidade da classe composta por honrados e dignos advogados.
É missão do advogado defender os direitos do jurisdicionado e dar materialidade à cidadania, com elaboração das peças processuais e diligências necessárias no acompanhamento das ações, ao longo dos anos. A fixação da verba honorária deve ser pactuada por um contrato privado entre as partes e remunerar condignamente o trabalho do advogado. Não deve ser fixada aquém da razoabilidade ou do mínimo legal; nem ser abusiva.
Afirmamos que a cobrança de honorários, em todas as áreas da advocacia, tem seus limites definidos no Código de Ética e sua infração se traduz em falta disciplinar, que deve ser comunicada a Ordem, para que as providências disciplinares possam ser adotadas.
Reafirmamos nossa mais integral confiança na advocacia brasileira, séria, ética e comprometida com os valores da cidadania, ao tempo em que, como todos, condenamos aqueles que não seguem os preceitos éticos que nos conformam.

OAB Nacional


Colégio de Presidentes da OAB





DIREITOS CONSTITUCIONAIS "EDUCAÇÃO, LAZER, SAÚDE......", OPS!!

A Constituição Federal passou a assumir o centro do sistema normativo, "irradiando sua luz" a todos os outros diplomas que a partir de então devem ser interpretados conforme a carta magna. Sempre deve-se fazer o raciocínio da interpretação conforme a constituição. Assim, houve uma ampliação dos instrumentos para garantir a integridade da carta magna, através dos controles concentrados e difuso de constitucionalidade.Os princípios constitucionais deixaram de ser meras exortações políticas ou normas programáticas para gozarem de força normativa e aplicabilidade imediata.O neoprocessualismo é aplicação do neoconstitucionalismo dentro do processo, ou seja, a revisão dos institutos de direito processual sob a ótica constitucional. Para isso é necessário ter uma postura arrojada, mas indispensável para que se garantam os direitos fundamentais.A Entidade Reguladora para a Comunicação Social recebeu, após avaliação do histórico, "três queixas com a referência concreta a violação/atropelos ao princípio constitucional da liberdade de imprensa". Mas, fonte do organismo, "tendo em conta a experiência", admite a existência "de outras queixas que, embora os seus autores citem outro tipo de situações, acabam por incidir" na mesma problemática.Para já, a mesma fonte oficial do órgão regulador dos media pondera "promover a médio prazo vários estudos sobre temas que podem condicionar a liberdade de imprensa", apontando para essa altura respostas mais concretas sobre a questão.Um tema quente que tem sido discutido no país. Isto numa altura em que Portugal sobe no ranking mundial de países que mais respeitam a Liberdade de Imprensa. De acordo com o estudo da organização internacional Repórteres Sem Fronteiras, em 2011 o país ocupou a 33.ª posição, face a 2010, ano em que lhe foi reservado o 40.º lugar.
O direito de ação é um direito público subjetivo do cidadão, expresso na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXXV. Neste importante dispositivo constitucional encontra-se plasmado o denominado princípio da inafastabilidade da jurisdição, em razão do qual, no Brasil, somente o Poder Judiciário tem jurisdição, sendo o único Poder capaz de dizer o direito com força de coisa julgada.Há muita discussão entre os autores a respeito da natureza jurídica do direito de ação. No entanto, as principais características do direito de ação majoritariamente aceitas pela doutrina seriam as seguintes: é um direito autônomo porque, embora ele vise a proteger um direito material que o autor da ação entende lesado, ele (o direito de ação) não se confunde com o direito material que se pretende defender e não depende da efetiva existência desse direito material para que possa ser exercido. Desta forma, o direito de ação existe por si só e pode ser exercido mesmo que não exista nenhum direito material a ele subjacente.
A interpretação atribuída pela corte tem enorme conotação política e de administração judiciária. Inúmeros são os recursos extraordinários que diuturnamente alegam violação a princípios (especialmente, devido processo legal, ampla defesa e contraditório). Caso o STF tivesse que se deter na análise de cada um deles, isto impediria os trabalhos da corte. No sentido de tornar o recurso extraordinário realmente excepcional, já foram feitas várias reformas, de modo a permitira racionalização do trâmite no STF(repercussão geral e julgamento de recursos repetitivos, súmula vinculante, etc.). Todavia, a impossibilidade técnica e de recursos humanos não podem ser usadas como desculpa para que se vulnere a Constituição.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

CIVILIZAÇÃO LAICA, ATAQUES RELIGIOSOS.

Há quem procure o sentido da vida, careça de uma verdade condutora da existência. Em geral, ao cabo das buscas o interessado no sentido da vida acaba encontrando-o em alguma casa de cultos ao “divino”. Quando a verdade é achada dessa forma, o indivíduo se enquadra a si mesmo numa representação de mundo ofertada por um sistema de crenças “sustentado” no sobrenatural.
Religiões são cultos a divindades. O religioso acredita num “conhecimento” revelado pela divindade a intermediários “escolhidos”. Se os intermediários têm poder suficiente para por em circulação suas explicações fabulosas da realidade, formam com seus seguidores uma religião. Religião é isso: um grupo de poder com força suficiente para estabelecer como verdade uma explicação mágica do mundo.
As narrativas mágicas primitivas, ao serem divulgadas com amplitude por organizações poderosas, tornam-se religiões. As grandes religiões monoteístas têm seus profetas, ou seja, o intermediário a quem a divindade teria revelado verdades a serem cumpridas. Nas sociedades mais fechadas e hierarquizadas como são as islâmicas, o poder das religiões é acachapante, formatando toda a cultura.
Nessas sociedades empacotadas ideologicamente a vida civil e estatal é submetida à hierarquia dos crentes, que têm poder de vida e de morte sobre as pessoas. Em sociedades plurais como é a maioria das ocidentais, o sistema religioso permanece poderoso, mas concorre com outros poderes. Não é fácil escapar das máquinas de “fazer cabeça” dos religiosos, mas já é crescente o número dos que resistem.
A liberdade de opinião, a educação laica, e, mais recentemente, a internet, têm permitido a circulação de ideias que concorrem com as religiosas. Além disso, os fatos cotidianos acabam materialmente oferecendo possibilidades de compreensão da vida e de modos de vivê-la que não cabem no pacote ideológico que as religiões têm para oferecer, o que acaba por enfraquecê-las.
Os estados liberais ocidentais, contudo, no que têm de forte (a garantia de liberdades), têm sua fraqueza: a liberdade de movimentação de fanáticos religiosos. No tanto que os estados plurais garantem as liberdades civis, garantem, também, que, com liberdade, grupos terroristas religiosos tenham facilidades para engendrarem agressões aos estados democráticos. Esse é o dilema das democracias ocidentais.
Verdades não existem como descobertas e muito menos como revelação de uma entidade sobrenatural. Verdades são invenções, são construções valorativas, quer dizer, o humano valora certas ideias e faz com que elas norteiem a vida. Verdades valem para lugares e tempos, valem para as sociedades que as inventaram e as valoram como tal. Pretender impor verdades ao mundo é uma pretensão sectária.
As democracias ocidentais, mais ou menos, laicizaram o Estado e construíram politicamente franquias democráticas. As franquias democráticas pressupõem liberdades de modos de ser e viver para todos. Eu posso ser e viver (se resistir às ideologias dominantes) da maneira que bem entender. Os Estados religiosos, ao contrário, por “inspiração divina”, forçam modos de ser, restringem maneiras de viver.
Dizendo de outro modo: o Estado laico sabe que as ideias advêm da História, das lutas sociais, das relações de poder. O Estado laico, pois, sabe que haverá transformações, que concepções morais novas sobrevirão dialeticamente dos conflitos, dos choques de visões de mundo. O laicismo cultiva o debate intelectual como motor da História, como maneira de apurar preceitos éticos de convivência.
Já o Estado religioso abafa o conflito, não suporta a dissidência. A concepção religiosa de mundo é fundada na palavra de um profeta que recebeu a “verdade revelada” de um ser superior. O Estado religioso, pois, não é visto como uma invenção política para organizar uma sociedade, mas como um “big brother”, como uma polícia de costumes que deve fazer guerra em todo o lugar e em todo o tempo pela “vontade do além”.
Religiosos desprezam a cidadania, reduzem-se a fiéis. Um fiel fanático quer impor a “palavra” de seu profeta ao mundo. A civilização laica, para guardar-se democrática, está obrigada, ao tempo em que reafirma seus compromissos com a liberdade, a ter a corajosa determinação de rechaçar os que pretendem destruí-la. Dados os ataques que vem sofrendo, isso já não é uma escolha, mas uma urgente obrigação.
 
 
 
 

LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO.

Tem cem anos de perdão, segundo o adágio popular. Uma montagem em vídeo, com apelo sensacionalista, que circula no Youtube, traz um fato que, embora revestido de perfil hilariante, aproxima-se e em muito da realidade. Tanto é que o internauta desavisado ficará impressionado com as cenas que perambulam em torno de alguns tipos penais contra o patrimônio. Segundo o relato, determinada pessoa, conhecida no meio marginal como Bagulhinho, fazendo uso de arma de fogo, intimidou o condutor e roubou seu veículo. Em seguida, dando continuidade a um plano previamente estabelecido, estacionou rapidamente o auto defronte a uma farmácia e, em seu interior, fazendo uso da mesma arma, ameaçou os clientes e o proprietário, que foi obrigado a lhe entregar o dinheiro existente no caixa. Ocorre que, quando se dirigia para o veículo, até mesmo estacionado de forma irregular para dar apoio à sua operação, percebeu que outra pessoa estava em seu interior e o acionou atritando os pneus, o que provocou a leve poeira de adeus.
Com o saco plástico nas mãos contendo o dinheiro, sem meios para fugir, visivelmente frustrado, olhou de um lado para o outro e, num repente, um punguista arrebatou de suas mãos o saco plástico contendo o produto do roubo e, também, rapidamente, saiu em desabalada carreira. Nesta hora a casa realmente caiu. Humilhado. Sentiu-se humilhado. Um sentimento de revolta tomou conta do agora vítima por duas vezes, sensação amarga e impotente que nunca tinha experimentado. Criou coragem, como o Minotauro mortalmente ferido pela espada de Teseu, procurou pela delegacia de polícia. Ali, em alta voz e em bom som, vestiu a toga da cidadania e narrou sua desventura à autoridade policial, deixando-a embasbacada. Mas, como você foi vítima? Você foi o autor de dois roubos, que agora mesmo veio a confessar, concluiu o Delegado de Polícia.
Não, doutor, asseverou ele, o mundo do crime tem suas regras, que não são escritas como as do mundo onde se leva a vida certa, mas são éticas. Quer dizer, passa de boca em boca e quem convive com a delinquência tem que respeitar. Assim, pela lei do crime, o carro é meu porque roubei e o dinheiro também é meu, pois representa o fruto de meu trabalho. Além do que, devo confessar agora, pois é mais um trabalho, também roubei a arma para a prática dos crimes, para cuidar da minha própria segurança. Vai que a vítima reage... Se nenhuma providência for tomada, a malandragem vai tomar conta da cidade e aí não prevalecerá mais a lei da bandidagem, que é aquela que nós, operadores da área, obedecemos e se torna importante para o convívio harmônico. Deixo de antemão avisado que vou investigar para descobrir os responsáveis pelo furto do meu carro e do meu dinheiro e, certamente, serão penalizados pelo código da rua.
O fato relatado, apesar de circular na órbita da ficção, traduz uma realidade que não pode ser divorciada da sociedade em que vivemos. Há, pela doutrina exposta pelo assaltante-vítima, a lei dos homens, que é aquela escrita e que capitula crimes e sanções que podem ser transgredidos porque transformam em números e tempo uma eventual reprimenda, quando não uma ligeira prestação de serviço à comunidade. Já pela lei do marginal, o certo fica errado e o errado fica certo. Sem deslize.
Os outros dois furtadores? Fugiram na posse dos bens subtraídos e devem ter se divertido muito, com gargalhadas incontidas, ao narrar aos colegas como a vítima foi inocente em deixar o carro aberto e transportar considerável importância em dinheiro numa sacola de plástico. Além do que, receberam cem anos de perdão. Juridicamente, no entanto, responderão pelas subtrações e figurarão como vítimas os proprietários do auto e do dinheiro. O roubador, por querer ser honesto, foi preso em flagrante delito pela prática dos crimes confessados. Errou porque quis aplicar a lei certa.
 
 
 
 
 

COMENTÁRIOS AO "XV" - EXAME DE ORDEM: RECURSO ESPECIAL

XV Exame de Ordem Unificado (Civil)
Comentários à peça profissional
1. Introdução
No último dia 11 de janeiro de 2015 a OAB aplicou a prova de 2ª fase do XV Exame de Ordem Unificado.
Como habitualmente faço, disponibilizo alguns comentários à prova da área de Direito Civil, que – assim espero – ajudem não apenas aliviar a ansiedade daqueles que fizeram a prova, mas também nos estudos daqueles que a farão futuramente.
Meus comentários são, na maior parte das vezes, fruto de um brainstorm, motivo pelo qual qualquer comentário será bem-vindo, assim como tentarei responder eventuais indagações que sejam feitas.
2. Enunciado da prova
João utiliza todos os dias, para retornar do trabalho para sua casa, no Rio de Janeiro, o ônibus da linha A, operado por Ômega Transportes Rodoviários Ltda. Certo dia, o ônibus em que João era passageiro colidiu frontalmente com uma árvore. A perícia concluiu que o acidente foi provocado pelo motorista da sociedade empresária, que dirigia embriagado. Diante disso, João propôs ação de indenização por danos materiais e morais em face de Ômega Transportes Rodoviários Ltda. O Juiz julgou procedentes os pedidos para condenar a ré a pagar a João a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos materiais, e mais R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para compensar os danos morais sofridos. Na fase de cumprimento de sentença, constatada a insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, o Juiz deferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, procedendo à penhora, que recaiu sobre o patrimônio dos sócios Y e Z. Diante disso, os sócios de Ômega Transportes Rodoviários Ltda. Interpuseram agravo de instrumento, ao qual o Tribunal de Justiça, por unanimidade, deu provimento para reformar a decisão interlocutória e indeferir o requerimento, com fundamento nos artigos  e 28 do CDC (Lei nº 8.078/90), por não haver prova da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. O acórdão foi disponibilizado no DJe em 05/05/2014 (segunda-feira), considerando-se publicado no dia 06/05/2014. Inconformado com o teor do acórdão no agravo de instrumento proferido pelo TJ/RJ, João pede a você, na qualidade de advogado, a adoção das providências cabíveis. Sendo assim, redija o recurso cabível (excluída a hipótese de embargos de declaração), no último dia do prazo, tendo por premissa que todas as datas acima indicadas são dias úteis, assim como o último dia para interposição do recurso.
3. Comentários gerais
De antemão, nota-se que a peça cobrada (recurso especial) é pouco comum nos exames da OAB, fato que pode ter surpreendido muita gente.
Em que pese a “surpresa”, a verdade é que a questão colocada, sobretudo no que se refere ao direito material subjacente, não é de elevada dificuldade.
O cabimento do recurso especial se justifica pelas seguintes razões:
(i) a parte pretende interpor um recurso (que não sejam os embargos de declaração) por não se conformar com acórdão proferido pelo TJRJ (em votação unânime);
(ii) o caso trata da (in) correta aplicação de lei federal (Código de Defesa do Consumidor), mais especificamente a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em relação de consumo (arts.  e 28 do CDC); em outras palavras, não existe temática constitucional (o que poderia levar a um recurso extraordinário), mas meramente infraconstitucional;
(iii) trata-se de uma decisão de última instância, pois a lei não prevê nenhum outro recurso contra tal decisão (note que o enunciado exclui os embargos de declaração);
(iv) Ocorreu o chamado “prequestionamento”, assim entendida a expressa manifestação do tribunal acerca do tema objeto do recurso (“causa decidida”), em que pese toda celeuma que envolve esta questão.
(v) a decisão é da lavra de um tribunal (TJRJ);
(vi) não existe questão fática a ser analisada no recurso, mas apenas questão de direito (aplicação da norma a fatos incontroversos), de modo que não incide o enunciado de súmula n. 07 do STJ.
Assim sendo, cabe recurso especial, cuja competência para julgamento é do STJ, conforme a previsão do art. 105, III, a, da Constituição:
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
(...)
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; (...)”
O recurso deve ser apresentado em duas peças: uma de interposição (dirigida ao órgão a quo) e outra com as razões recursais, conforme modelo básico que apresento a seguir.
4. Modelo sugerido
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Observação: sobre interposição e endereçamento, ver art. 541 do CPC.
Agravo de instrumento...
João, já qualificado nos autos em epígrafe no qual litigam com Y e Z, também qualificados, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por seu advogado ao final assinado, interpor, conforme art. 105, III, a, da Constituição; e arts.541 e seguintes do CPC, RECURSO ESPECIAL, conforme as razões anexas.
Comprova, ao final, o recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno dos autos, conforme art. 511 do CPC.
Assim, requer se digne Vossa Excelência determinar a intimação da parte recorrida, facultando-lhe a apresentação de suas contrarrazões no prazo legal, sob pena de preclusão, consoante o art. 542 do CPC.
Ao final, diante do preenchimento satisfatório de todos os requisitos de admissibilidade, requer se digne Vossa Excelência determinar a remessa dos autos ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, para apreciação das matérias de direito objetivo ventiladas.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Local, 21 de maio de 2014.
Observação: em regra, não se deve, nos exames da OAB, indicar a data. Mas note que o enunciado exige que o recurso seja interposto no último dia do prazo. Considerando as datas de disponibilização e publicação fornecidas, conclui-se que o prazo se esgota em 21 de maio de 2014.
Nome do advogado
Inscrição na OAB
RAZÕES DE RECURSO ESPECIAL
Recorrente: João.
Recorridos: Y e Z.
Observação: independentemente dos sócios serem parte ou terceiro na ação (conforme entendimento do STJ, na desconsideração da personalidade jurídica os sócios ingressam na ação como “parte”), eles sem dúvida são recorridos (até porque poderiam recorrer como terceiros).
Origem: Agravo de instrumento... Da... Câmara... Do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
EGRÉGIO TRIBUNAL,
COLENDA TURMA,
NOBRES MINISTROS.
Insurge-se o presente recurso especial contra o acórdão do TJRJ que por unanimidade deu provimento ao agravo de instrumento dos recorridos para reformar a decisão interlocutória e indeferir o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária devedora, com fundamento nos artigos  e 28 doCDC, por não haver prova da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
A decisão em exame, data venia, incorre em error in judicando, pois contraria a lei federal, mais especificamente os arts.  e 28 do CDC, justificando o manejo deste recurso, especialmente por se tratar de uma decisão de última instância emanada de tribunal de estado da federação (TJRJ), devidamente prequestionada por haver expressa manifestação do tribunal a quo acerca da quaestio juris, envolvendo exclusivamente questão fática.
Observação: perceba que o art. 541, II, do CPC, exige a demonstração do cabimento do recurso.
Com efeito, argumenta-se na decisão recorrida que o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica deve ser indeferido por não haver prova da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Ocorre, todavia, que a relação em apreço é de consumo, à qual se aplica o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), sendo incontroverso que o recorrente é destinatário final do serviço prestado pela pessoa jurídica, conforme art.  do CDC.
Sendo a relação de consumo, é irrelevante inexistir prova de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, porque estes requisitos se referem à desconsideração nas relações civis em geral (art. 50 do Código Civil). Nesses casos, de fato, exige-se, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
Mas no caso em tela, repita-se, tem-se uma relação de consumo, sujeita ao CDC. Destarte, aplica-se a regra específica prevista no art. 28 deste diploma legal, segundo a qual:
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”
Deve-se atentar, igualmente, ao § 5º do mesmo art. 28, onde se lê:
“§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
A conclusão a que se chega, pela leitura dos dispositivos legais citados, é que nas relações de consumo se aplica a “teoria menor” da desconsideração, que, ao contrário das relações civis em geral, ocorrerá com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo consumidor que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte destes, livrando de obstáculos o ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Deste modo, o acórdão recorrido contrariou frontalmente não apenas o art.  do CDC, ao desconsiderar a qualidade de consumidor do recorrente, mas especialmente o art. 28 da mesma lei, ao não aplica-la sob o enfoque da teoria menor da desconsideração, exigindo requisitos não previstos em lei para sua aplicação.
Por tudo que se articulou, requer se dignem Vossas Excelências conhecerem do presente recurso para, ao final, dar-lhe provimento, reformando-se o acórdão do TJRJ para deferir o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa Ômega Transportes Rodoviários Ltda., de tal modo que o cumprimento de sentença alcance o patrimônio pessoal dos sócios, ora recorridos.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Local, 21 de maio de 2014.
Nome do advogado
Inscrição na OAB


Fonte:http://denisdonoso1.jusbrasil.com.br/modelos-pecas/160156609/comentarios-ao-xv-exame-de-ordem-recurso-especial?utm_campaign=newsletter-daily_20150113_598&utm_medium=email&utm_source=newsletter