Há pouco mais de um ano (em 05.12.13) faleceu um dos líderes mundiais
de maior expressão da história contemporânea, o prêmio Nobel da Paz de
1993, Nelson Mandela.
Formado em Direito, fundou o primeiro
escritório de advocacia de negros da África do Sul. Como advogado
militante e ativista em favor dos direitos humanos, descobriu que a
justiça em seu país pendia sempre para os brancos e que as leis eram
aplicadas com parcialidade.
Iniciou uma luta incansável contra o
Apartheid (regime de segregação racial), defendendo a igualdade e a
dignidade de todo ser humano, mas acabou por ser preso em virtude de sua
trajetória de combate à intolerância e à discriminação que assolava seu
país.
Apesar de ter permanecido preso por quase 30 (trinta)
anos, nunca esmoreceu e, após conquistar a liberdade, foi responsável
por unir a África do Sul e instituir a democracia naquela nação.
Esta
inestimável perda para a humanidade nos traz a necessidade de profunda
reflexão sobre os paradigmas que balizam o sistema penal no Brasil, pois
passados 25 (vinte e cinco) anos da promulgação de nossa Constituição Federal,
que instituiu o Estado Democrático de Direito, ainda hoje verifica-se
aqui um verdadeiro “apartheid” judicial, em especial na seara criminal,
onde nossas prisões estão entulhadas de presos que, em sua maioria, são
reconhecidos pela vergonhosa expressão dos 3 P’s (pobres, pretos e
prostitutas).
Neste contexto, é preciso refletir seriamente sobre
a verdadeira função do Direito Penal e, principalmente, sobre a
seletividade do sistema prisional pátrio, a iniciar pela criminalização
primária (produção da legislação penal), de cunho eminentemente
patrimonialista, culminando na criminalização secundária (órgãos de
atuação no sistema penal - polícia, acusação, defesa, judiciário)
direcionada por uma cultura discriminatória que, ainda que
inconscientemente, insiste conduzir nossas atitudes cotidianamente.
Nelson Mandela ficou preso por três décadas por tentar mostrar ao mundo o absurdo que é a intolerância e o preconceito racial.
Quanto tempo ainda será preciso para despertarmos e começarmos a transformar a cruel realidade que nos aflige?
Até
quando vamos tolerar a violação dos direitos fundamentais do indivíduo e
o descumprimento dos princípios constitucionais em nome da eficácia de
uma justiça penal, sabidamente seletiva e excludente?.
No Estado
Democrático de Direito toda e qualquer desigualdade deve ser combatida e
a garantia dos direitos individuais deve ser substancial, afastando-se,
assim, pseudo justificativas retóricas, que servem apenas para manter o
status quo. Assim, conquanto vivamos formalmente em num
Estado de Direito, ainda hoje muitos de nossos dirigentes, em todos os
níveis e poderes instituídos, incluindo o Judiciário, não se
conscientizaram plenamente do dever-poder que lhes é atribuído e, assim,
não cumprem suas obrigações constitucionais na efetiva concretização
dos direitos individuais e sociais mínimos, o que contribui para o
indesejado quadro de exclusão (Apartheid) que, infelizmente, se verifica
na realidade do sistema prisional em nossa sociedade.
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