Há quem procure o sentido da vida, careça de uma verdade condutora da existência. Em geral, ao cabo das buscas o interessado no sentido da vida acaba encontrando-o em alguma casa de cultos ao “divino”. Quando a verdade é achada dessa forma, o indivíduo se enquadra a si mesmo numa representação de mundo ofertada por um sistema de crenças “sustentado” no sobrenatural.
Religiões são cultos a divindades. O religioso acredita num “conhecimento” revelado pela divindade a intermediários “escolhidos”. Se os intermediários têm poder suficiente para por em circulação suas explicações fabulosas da realidade, formam com seus seguidores uma religião. Religião é isso: um grupo de poder com força suficiente para estabelecer como verdade uma explicação mágica do mundo.
As narrativas mágicas primitivas, ao serem divulgadas com amplitude por organizações poderosas, tornam-se religiões. As grandes religiões monoteístas têm seus profetas, ou seja, o intermediário a quem a divindade teria revelado verdades a serem cumpridas. Nas sociedades mais fechadas e hierarquizadas como são as islâmicas, o poder das religiões é acachapante, formatando toda a cultura.
Nessas sociedades empacotadas ideologicamente a vida civil e estatal é submetida à hierarquia dos crentes, que têm poder de vida e de morte sobre as pessoas. Em sociedades plurais como é a maioria das ocidentais, o sistema religioso permanece poderoso, mas concorre com outros poderes. Não é fácil escapar das máquinas de “fazer cabeça” dos religiosos, mas já é crescente o número dos que resistem.
A liberdade de opinião, a educação laica, e, mais recentemente, a internet, têm permitido a circulação de ideias que concorrem com as religiosas. Além disso, os fatos cotidianos acabam materialmente oferecendo possibilidades de compreensão da vida e de modos de vivê-la que não cabem no pacote ideológico que as religiões têm para oferecer, o que acaba por enfraquecê-las.
Os estados liberais ocidentais, contudo, no que têm de forte (a garantia de liberdades), têm sua fraqueza: a liberdade de movimentação de fanáticos religiosos. No tanto que os estados plurais garantem as liberdades civis, garantem, também, que, com liberdade, grupos terroristas religiosos tenham facilidades para engendrarem agressões aos estados democráticos. Esse é o dilema das democracias ocidentais.
Verdades não existem como descobertas e muito menos como revelação de uma entidade sobrenatural. Verdades são invenções, são construções valorativas, quer dizer, o humano valora certas ideias e faz com que elas norteiem a vida. Verdades valem para lugares e tempos, valem para as sociedades que as inventaram e as valoram como tal. Pretender impor verdades ao mundo é uma pretensão sectária.
As democracias ocidentais, mais ou menos, laicizaram o Estado e construíram politicamente franquias democráticas. As franquias democráticas pressupõem liberdades de modos de ser e viver para todos. Eu posso ser e viver (se resistir às ideologias dominantes) da maneira que bem entender. Os Estados religiosos, ao contrário, por “inspiração divina”, forçam modos de ser, restringem maneiras de viver.
Dizendo de outro modo: o Estado laico sabe que as ideias advêm da História, das lutas sociais, das relações de poder. O Estado laico, pois, sabe que haverá transformações, que concepções morais novas sobrevirão dialeticamente dos conflitos, dos choques de visões de mundo. O laicismo cultiva o debate intelectual como motor da História, como maneira de apurar preceitos éticos de convivência.
Já o Estado religioso abafa o conflito, não suporta a dissidência. A concepção religiosa de mundo é fundada na palavra de um profeta que recebeu a “verdade revelada” de um ser superior. O Estado religioso, pois, não é visto como uma invenção política para organizar uma sociedade, mas como um “big brother”, como uma polícia de costumes que deve fazer guerra em todo o lugar e em todo o tempo pela “vontade do além”.
Religiosos desprezam a cidadania, reduzem-se a fiéis. Um fiel fanático quer impor a “palavra” de seu profeta ao mundo. A civilização laica, para guardar-se democrática, está obrigada, ao tempo em que reafirma seus compromissos com a liberdade, a ter a corajosa determinação de rechaçar os que pretendem destruí-la. Dados os ataques que vem sofrendo, isso já não é uma escolha, mas uma urgente obrigação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário