Filipe Nasser - Retirado da Revista JUCA Edição 2010 - Revista dos alunos do Instituto Rio Branco Diplomacia e Humanidades.
Meu
país – permitam-me: não vou revelar a sua graça – costuma arrancar um
arco branco na cara dos gringos. Acho que sei por quê. Um pouco é pela
imagem dourada de paraíso tropical, temperada por moral sexual
supostamente licenciosa e por ritmos afro-latinos ecoando as batidas do
coração. Tudo muito bem supervisionado pelos braços abertos sobre a
Guanabara.
Um pouco é pelo balé dos homens de farda amarela, que
patinam e profanam sobre o verde, em um filme épico de final, no mais
das vezes, feliz. Um pouco é pela música fácil de colar, simples de
entender, difícil de emular — paroquianas e universais, datadas e
atemporais –, essas canções que o Rei fez pra mim e pra você. Um pouco é
porque serve de manjedoura ao maior espetáculo da Terra, este
laboratório anual da condição humana levada ao seu paroxismo – seja na
Sapucaí, nos quatro cantos de Olinda ou no mercado dos prazeres
diamantino.
Constituinte Ulisses Guimaraes |
Outro tanto é pela distribuição, gratuita, de abraços
e beijinhos e carinhos sem ter fim. Assim o foi – e ainda o é. Mas
agora meu país, como entoaria o Jorge, deu no Niuiórquetaimes, na
Economist e no Le Monde. Senhoras e senhores, está decretado o fim da
era dos clichês sobre o país do futuro. É que, ao que parece, finalmente
conquistamos o carimbo 9001 dos que tomam caipirinha com cachaça russa.
O olhar gringo e o olhar moreno amalgamaram-se na fotografia dessa
gente bronzeada que quer mostrar seu valor.
Nossa autoestima,
afinal, contraiu matrimônio com as expectativas estrangeiras que se
deitavam sobre este naco do globo que nós – os que tomamos caipirinha
com cachaça mineira – chamamos de lar, mesmo quando no além-mar. E que
país é esse? Meu país tem a cara do mundo. É que todo mundo – ou quase –
tem a cara do meu país. Somos a fusão de todos os outros passaportes. A
mais linda das japonesas é nossa.
O verdadeiro rei núbio nasceu
aqui – e trouxe três canecos pra casa. Olhe bem o sobrenome deste autor,
só mais um Silva cuja estrela não brilha. E os europeus aqui
descobriram a experiência pós-civilizatória – um coquetel de civilização
e barbárie em doses alternadamente humanas e desumanas. Dor e delícia
sem paralelo na história humana. Bem, talvez mais delícia... Mas também
somos voltados pra dentro, sô. O estrangeiro é sempre melhor aqui dentro
e o nosso é imbatível lá fora.
O mundo, para nós, começa e
termina entre o Atlântico e os Andes, entre o Caribe e o Prata. À
exceção de mês de Copa do Mundo, que é quando passamos uma breve
temporada na vila de McLuhan. Mas isso tá mudando. Tem alguém batendo na
porta. Toc, toc. Quem é? Sou eu, o mundo. Meu país, de tantos sotaques,
fala uma só língua: a inculta e bela, né, Bilac? Só que em sua versão
mais malemolente, preguiçosa, musical, ô pá. E falamos o dialeto de um
só canal, em todo o território nacional: artificial, nada natural, sem
sal, plim-plim.
Meu país abriga os mais religiosos dos ateus,
graças a Deus. Também os católicos de depois da rodada do Brasileirão.
Os devotos que pregam e pagam. E, em primeiro de janeiro, pergunte pro
seu orixá, a gente pula sete ondas pra Iemanjá. Meu país é uma
democracia arretada.
Deixa as eleições dos caras que inventaram
essa história toda parecendo reunião em torno da fogueira no período
neolítico. Mas o processo de formação de consciência é que ainda é
tortamente democrático nesta feira de lealdades camaleoas. Faltam
Machado e fórmula de Báskara na nossa democracia. Faltam os Buarque de
Hollanda (Sérgio, Aurélio, Chico) e aula de química na nossa cultura
cívica. Livro pra comida, prato pra educação.
No meu país,
antônimo de corrupto não é honesto: é otário. Esses países em que o
pessoal paga imposto, ninguém fura fila, não dá um na mão do polícia,
não se associa ao corrupto bom de voto: tudo um bando de otário. Ou você
não sabe com quem está falando? Falta estado de direito na nossa
democracia. Só pobre vai em cana, é a classe média quem paga a fatura,
as regras são democraticamente alteradas ao sabor dos personagens da
nossa comédia da vida pública. E cidadania tá em falta, dona. Tem, mas
acabou. Mês que vem deve chegar.
Faltam revoluções na nossa
História, sangue nas nossas revoluções e uma certa História no nosso
sangue. Mas sobra-nos a geografia cuja escassez, a outros, tanta celeuma
provoca. Tudo é exagerado no meu país: tudo é o maior, tudo é o mais.
Maior potencial energético, maior floresta tropical, maior produtor de
alimentos, o maior do mundo. Maior taxa de juros do mundo, maior
desigualdade entre ricos e pobres, maior desperdício de terras
agricultáveis.
A terra da hipérbole e das contradições, essa
espetacular moradia da gente mais humana da aventura humana sobre a
Terra. Meu país, quando tinha tudo pra dar certo, deu com os burros
n’água. Lembram-se? Ciclo do ouro, da borracha, milagre econômico. E,
com um bocado de coisa pra dar errado, tá dando certo. Tem gringo com
arco branco na cara batendo palma na primeira fila. Mas o que eu quero
ver mesmo é essa gente bronzeada mostrando seu valor. Meu país ainda não
foi, mas já é, cumpádi. Entre outras mil (sic), és tu, Pátria amada.
Fonte: http://rafaelpaivamartins.jusbrasil.com.br/artigos/178776268/que-pais-e-esse
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