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segunda-feira, 20 de abril de 2015

QUE PAÍS É ESSE..???

Filipe Nasser - Retirado da Revista JUCA Edição 2010 - Revista dos alunos do Instituto Rio Branco Diplomacia e Humanidades.
Meu país – permitam-me: não vou revelar a sua graça – costuma arrancar um arco branco na cara dos gringos. Acho que sei por quê. Um pouco é pela imagem dourada de paraíso tropical, temperada por moral sexual supostamente licenciosa e por ritmos afro-latinos ecoando as batidas do coração. Tudo muito bem supervisionado pelos braços abertos sobre a Guanabara.

Um pouco é pelo balé dos homens de farda amarela, que patinam e profanam sobre o verde, em um filme épico de final, no mais das vezes, feliz. Um pouco é pela música fácil de colar, simples de entender, difícil de emular — paroquianas e universais, datadas e atemporais –, essas canções que o Rei fez pra mim e pra você. Um pouco é porque serve de manjedoura ao maior espetáculo da Terra, este laboratório anual da condição humana levada ao seu paroxismo – seja na Sapucaí, nos quatro cantos de Olinda ou no mercado dos prazeres diamantino.
Constituinte Ulisses Guimaraes
Outro tanto é pela distribuição, gratuita, de abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim. Assim o foi – e ainda o é. Mas agora meu país, como entoaria o Jorge, deu no Niuiórquetaimes, na Economist e no Le Monde. Senhoras e senhores, está decretado o fim da era dos clichês sobre o país do futuro. É que, ao que parece, finalmente conquistamos o carimbo 9001 dos que tomam caipirinha com cachaça russa. O olhar gringo e o olhar moreno amalgamaram-se na fotografia dessa gente bronzeada que quer mostrar seu valor.
Nossa autoestima, afinal, contraiu matrimônio com as expectativas estrangeiras que se deitavam sobre este naco do globo que nós – os que tomamos caipirinha com cachaça mineira – chamamos de lar, mesmo quando no além-mar. E que país é esse? Meu país tem a cara do mundo. É que todo mundo – ou quase – tem a cara do meu país. Somos a fusão de todos os outros passaportes. A mais linda das japonesas é nossa.

O verdadeiro rei núbio nasceu aqui – e trouxe três canecos pra casa. Olhe bem o sobrenome deste autor, só mais um Silva cuja estrela não brilha. E os europeus aqui descobriram a experiência pós-civilizatória – um coquetel de civilização e barbárie em doses alternadamente humanas e desumanas. Dor e delícia sem paralelo na história humana. Bem, talvez mais delícia... Mas também somos voltados pra dentro, sô. O estrangeiro é sempre melhor aqui dentro e o nosso é imbatível lá fora.

O mundo, para nós, começa e termina entre o Atlântico e os Andes, entre o Caribe e o Prata. À exceção de mês de Copa do Mundo, que é quando passamos uma breve temporada na vila de McLuhan. Mas isso tá mudando. Tem alguém batendo na porta. Toc, toc. Quem é? Sou eu, o mundo. Meu país, de tantos sotaques, fala uma só língua: a inculta e bela, né, Bilac? Só que em sua versão mais malemolente, preguiçosa, musical, ô pá. E falamos o dialeto de um só canal, em todo o território nacional: artificial, nada natural, sem sal, plim-plim.

Meu país abriga os mais religiosos dos ateus, graças a Deus. Também os católicos de depois da rodada do Brasileirão. Os devotos que pregam e pagam. E, em primeiro de janeiro, pergunte pro seu orixá, a gente pula sete ondas pra Iemanjá. Meu país é uma democracia arretada.

Deixa as eleições dos caras que inventaram essa história toda parecendo reunião em torno da fogueira no período neolítico. Mas o processo de formação de consciência é que ainda é tortamente democrático nesta feira de lealdades camaleoas. Faltam Machado e fórmula de Báskara na nossa democracia. Faltam os Buarque de Hollanda (Sérgio, Aurélio, Chico) e aula de química na nossa cultura cívica. Livro pra comida, prato pra educação.

No meu país, antônimo de corrupto não é honesto: é otário. Esses países em que o pessoal paga imposto, ninguém fura fila, não dá um na mão do polícia, não se associa ao corrupto bom de voto: tudo um bando de otário. Ou você não sabe com quem está falando? Falta estado de direito na nossa democracia. Só pobre vai em cana, é a classe média quem paga a fatura, as regras são democraticamente alteradas ao sabor dos personagens da nossa comédia da vida pública. E cidadania tá em falta, dona. Tem, mas acabou. Mês que vem deve chegar.

Faltam revoluções na nossa História, sangue nas nossas revoluções e uma certa História no nosso sangue. Mas sobra-nos a geografia cuja escassez, a outros, tanta celeuma provoca. Tudo é exagerado no meu país: tudo é o maior, tudo é o mais. Maior potencial energético, maior floresta tropical, maior produtor de alimentos, o maior do mundo. Maior taxa de juros do mundo, maior desigualdade entre ricos e pobres, maior desperdício de terras agricultáveis.

A terra da hipérbole e das contradições, essa espetacular moradia da gente mais humana da aventura humana sobre a Terra. Meu país, quando tinha tudo pra dar certo, deu com os burros n’água. Lembram-se? Ciclo do ouro, da borracha, milagre econômico. E, com um bocado de coisa pra dar errado, tá dando certo. Tem gringo com arco branco na cara batendo palma na primeira fila. Mas o que eu quero ver mesmo é essa gente bronzeada mostrando seu valor. Meu país ainda não foi, mas já é, cumpádi. Entre outras mil (sic), és tu, Pátria amada.






Fonte: http://rafaelpaivamartins.jusbrasil.com.br/artigos/178776268/que-pais-e-esse

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