Há trinta anos, se alguém ouvisse a expressão "arrastão" no Brasil,
certamente a associaria à pesca com rede nas cidades litorâneas, em que o
termo corresponde ao ato de puxá-la do mar para a areia, arrastando os
peixes ali capturados. Há quinze anos, o ouvinte talvez já a associasse
às ações de grupos - quase sempre de adolescentes - que corriam pela
praia praticando furtos contra banhistas no Rio de Janeiro. Agora, o
significado do vocábulo é outro, muito mais assustador, que traz em si,
além do medo, associação à violência grave.
No contexto atual da
segurança pública, arrastão passou a designar a ação de criminosos, em
bando ou mesmo apenas em dupla, que atacam vítimas em locais com
concentração de pessoas, sem restrição. Clientes em restaurantes ou
shoppings, pacientes em clínicas, motoristas em congestionamentos de
trânsito, moradores em edifícios residenciais ou até mesmo - e
surrealmente - passageiros do metrô, todos são vítimas em potencial
dessa modalidade de roubo, cujas consequências não raro descambam para
agressões e assassinatos.
Não há dúvida de que o alastramento dos
arrastões está associado à crescente geral de criminalidade que vem se
registrando no país, já tão bem estampada pelos sucessivos recordes de
homicídios aqui contabilizados. Porém, há algo mais emblemático e
específico no caso desta modalidade de crime: a fragilização da
sociedade.
Na mesma época em que arrastão estava apenas ligado à
pesca, grandes concentrações de pessoas eram, para criminosos, sinônimo
de alto risco. Agir contra elas era se expor demasiadamente à
possibilidade comum de uma reação, fosse das próprias vítimas, fosse de
quem estava próximo. Invadir um apartamento com o morador dentro, então,
era quase certeza de ser confrontado, pois raros eram os em que o
proprietário não dispunha, ao menos, de um revólver calibre 32 ou, para
os mais vanguardistas, uma pistola 7,65 para se defender. Hoje, a
realidade é completamente diferente.
Para os criminosos atuais,
pessoas aglomeradas são apenas sinônimo de muitas vítimas fáceis. É a
certeza de um alto ganho com uma ação só, e a preocupação com a reação
praticamente desapareceu. O desarmamento, a única diretriz nacional de
segurança pública firmada no país, errou feio seu alvo. Atingiu em cheio
quem já era vítima, o cidadão comum, retirando-lhe a chance de se
defender, mas não abalou sequer minimamente os bandidos, que ilegalmente
seguem cada vez mais armados, com armas que aquele só vê na TV - salvo,
claro, quando se torna alvo em concreto.
Individualmente, ter
uma arma ou usá-la para se defender é algo extremamente subjetivo. Pode
dar certo ou errado, ser arriscado ou garantia de segurança, tudo
depende das circunstâncias. Coletivamente, porém, a possibilidade da
presença dela dentre as vítimas em potencial, bem assim de que seja por
elas usadas contra ações criminosas, é algo que simplesmente não pode
ser eliminado. Se isso é feito, a consequência irremediável é direta: o
aumento da ação de bandidos, cada vez mais destemidos, fortalecidos pelo
desequilíbrio de forças. E é isso que estamos vendo diariamente.
http://rebelo.jusbrasil.com.br/artigos/178779102/arrastao-retrato-de-uma-sociedade-fragilizada?ref=news_feed
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