O Brasil é uma das mais prósperas cleptocracias do mundo (porque
governado por ladrões poderosos, que se enriquecem ilicitamente com o
exercício do poder). Ao mesmo tempo é uma República, onde a lei,
teoricamente, valeria igualmente para todos. Nenhum privilégio é
compatível com a ordem republicana. A última rodada da Operação Lava
Jato (que prendeu, dentre outros, os donos da Odebrecht e da Andrade
Gutierrez, que integram o topo da organização criminosa cartelizada, que
faz anualmente a pilhagem de bilhões do erário) foi batizada de “erga
omnes” (a lei e a Justiça valem para todos).
Isso é uma realidade ou
um desejo? Igualdade pra valer e império da lei haveria se moralmente já
tivéssemos alcançado os países escandinavos, por exemplo (Suécia,
Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia). Mas ainda não é o caso. No
escândalo da Petrobras as instituições do poder jurídico de controle
estão funcionando. Mas há uma nítida divergência entre o “código Moro” e
o pensamento do STF.
Para Sérgio Moro não haveria investigação
eficaz sem a prisão dos poderosos cleptocratas (ou seja, dos grandes
ladrões do país). Para o STF o encarceramento em Curitiba não é
necessário (no final de abril liberou 9 executivos, como sabemos). A
tendência clara é que todos os novos encarcerados acabem indo para
prisões domiciliares, com controle eletrônico e outras medidas
cautelares alternativas. Dentre essas deveria figurar em primeira linha a
fiança. Até hoje não entendi por que o STF não está fixando fianças de
milhões contra esses executivos e donos de empreiteiras. Fere o senso
comum a ausência de milionárias fianças nesses casos (para garantir
eventual reparação dos danos, em caso de condenação).
Todos
sabemos que não será tarefa fácil transformar o Brasil cleptocrata (da
roubalheira generalizada promovida pelas bandas podres dos donos do
poder econômico, financeiro, político, governamental, administrativo e
social) numa verdadeira República (da igualdade perante a lei). O desejo
de mudança briga com nossa cruel e extrativista História. É trabalho
para muitos anos, mas é preciso começar prontamente. O povo deve ser
salvaguardado das bandas podres que exercitam o poder.
Dois obstáculos (dentre tantos outros) devem ser derrubados. São eles: too big to fail (há grupos e empresas que são muito grandes para quebrar, para falir) e too big to jail
(não há ninguém numa República que seja tão grande que não possa ir
para a cadeia ou para a prisão domiciliar). Os grandes grupos econômicos
e financeiros praticam chantagens para não quebrarem. Na crise de
2007-2008 vários bancos e grandes empresas estavam na iminência da
falência. O governo norte-americano teve que ajudar todos, para o
sistema capitalista não desmoronar.
O Brasil de 2015 enfrenta
problema semelhante: ajudar ou deixar as grandes empreiteiras quebrarem
(ou se empobrecerem fortemente)? Apesar de todas as acusações graves
contra elas, sabe-se que o governo está tentando ajudá-las (inclusive
estimulando para que participem de novas licitações). É do DNA do Brasil
e do brasileiro (em geral) a permissividade frente ao ordenamento legal
[1].
O “tudo acaba em pizza” não é, no Brasil, um fenômeno incomum. Resta
saber até quando queremos suportar o peso de viver num país jurídica,
educacional e socialmente fracassado.
[1] PINTO, Céli Regina Jardim. A banalidade da corrupção. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, p. 32.
Nenhum comentário:
Postar um comentário