Ordojuris.Blogspot





terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Novo Codigo Penal Traz Perdas Insuperavéis.

         Os senadores já apresentaram 109 emendas ao projeto do novo Código Penal (PLS 236/2012), que está sendo examinado por uma comissão especial. Com suas emendas, os parlamentares marcam posição sobre temas que desde o início vêm-se revelando polêmicos, como a descriminalização do porte ou plantio de drogas para uso próprio. Autor de proposição sobre o tema, o senador Tomás Correia (PMDB-RO) defende a supressão do dispositivo do anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas designada pelo Senado que sugere tratamento mais liberalizante em relação ao consumo de drogas. Para o senador, a descriminalização poderá gerar sérios problemas de saúde pública e, ainda, agravar o problema do tráfico de drogas. A seu ver, seria ingênuo pensar que a medida não irá aumentar a procura por entorpecentes. Como haveria maior procura, a tendência é que também a oferta seja ampliada.
         De forma indireta, portanto, estar-se-ia incentivando a prática de conduta que há algum tempo vem se mostrando um dos problemas mais sérios que assolam o nosso país, que é o tráfico de drogas”, argumenta na justificação. Entre os que registraram emendas sobre o assunto, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) afirma que a redação proposta para o aborto aproxima a legislação brasileira “da descriminalização sem critérios, contrariamente aos interesses da maioria da sociedade brasileira”. Como alternativa, ele sugere que o aborto sempre seja fato “ilícito e culpável”, mas admitindo a isenção de pena quando praticado por médico em apenas duas situações: se não houver outro meio de salvar a vida da gestante ou se resultar de estupro, dependendo de consentimento da vítima ou, quando se tratar de pessoa juridicamente incapaz (menor, por exemplo), de seu representante legal".
         Prisionalização que não combate a seletividade. Recrudescimento da execução. Eficácia que esvazia até o processo. Eles se propuseram a fazer um código sem ideologias. Pragmático, mais que dogmático. Atual, mais do que isso, moderno. Naufragaram – o projeto do Código Penal faz água por todos os lados. Não por ser simplesmente reacionário -está salpicado de boas intenções, aqui e acolá, reduzindo certas penas e expungindo parte da punição moral do direito. Mas não deixa de ser um adepto incondicional da eficácia. Acredita em demasia no direito penal e em seu poder simbólico -por isso mesmo não se constrange em mantê-lo grande, nem se incomoda com o intenso recrudescimento da execução penal e as tétricas consequências que pode provocar com isso. Como toda obra com decisiva influência do marketing, não entrega aquilo que promete. Deseduca, ao perseverar na ideia de um direito penal majestoso, que responda a todos os problemas e seja a solução para a criminalidade. Flerta com o autoritarismo, ao trazer para o campo penal a solução dos mais variados conflitos, e é mais inepto sintomaticamente onde inova. A incorporação de teorias soa às vezes, incômoda, mas a redação de novos tipos demonstra ainda mais imprecisão.

           O projeto abre mão de conceitos para abraçar o mundo em busca da eficácia, e em certas situações se vê a meio caminho do grotesco. Que se pode dizer de um código gigantesco, que ainda encontra condutas para criminalizar, que se torna mais extravagante que a legislação que incorpora e que é dedicado, na apresentação de seu relator, a duas vítimas infantes de crimes de grande repercussão?. Um trabalho que joga para a plateia -e como se espera de todo esse apego demagógico, resulta em um estrondoso fracasso de crítica. O projeto é um espelho de sua produção. Seus juristas mais falaram que ouviram; deram mais entrevistas que debates. Buscaram reproduzir nas suas votações internas os consensos e conflitos de acadêmicos que não escutaram. Ao final, o texto é apressado, confuso e, muitas vezes, contraditório. Pretensioso, ainda esvazia o processo penal, estilhaçando sua noção de garantia, através do utilitário instituto da barganha.
 
Tem avanços, em especial ao reduzir a tutela da propriedade. Mas é tímido em alguns acertos e tíbio quando se obriga, em razão destes, a ceder a cada momento ao rigorismo, especialmente na execução penal. Dá, enfim, algumas no cravo, outras tantas na ferradura. Ao final, o trabalho não se compromete nem mesmo com suas próprias bandeiras. Sua criminalização não atende aos princípios que estipula. Suas concessões a um direito penal máximo comprimem acertos. Ademais da falta de ideologia, portanto, o pragmatismo também se sai fortemente ameaçado. Sem a pretensão de um trabalho exaustivo (pois exaustivo demais é o próprio projeto), compartilho algumas das principais preocupações após uma primeira impressão. Somadas as críticas já veiculadas de comentaristas mais gabaritados, só se pode concluir que o atual estágio de tramitação está anos-luz na frente de onde o texto merecia estar a esta altura: proposta para começar a discussão, jamais um projeto na iminência de se transformar em lei. Não cabe aqui acolher a escusa da imprudência. Se o Código Penal é, como diz o presidente de sua comissão, a lei mais importante abaixo da Constituição (e por aí já se vê o prestígio exacerbado que a comissão deu a seu mister e ao próprio direito penal) ela jamais poderia ter caminhado dessa forma tão sobranceira e auto-referente. O principal defeito do sistema penal brasileiro não é a impunidade –mas a seletividade. Faltam vagas para a extensa população carcerária, que cresce a cada dia –mas não há pluralidade de classes nas celas. Elaborar um Código Penal significa, em primeiro lugar, ter em mente este problema, bem ainda as consequências da força do instrumento que é. Como a experiência tem nos mostrado, enrijecer o sistema penal em busca de nova clientela dificilmente resolve o problema da seletividade, pois os princípios do rigor, mais hora, menos hora, acabam sendo replicados também aos mais vulneráveis que contam com o outro lado da seletividade –a maior fiscalização e a menor possibilidade de defesa. Só a diminuição do direito penal permite reduzir o impacto gravoso do Estado sobre a população mais carente. Mas em alguns momentos, o candidato a legislador parece agir com alguma espécie de privação de sentidos. Ou não consegue compreender o caráter nocivo do direito penal ou, premido pela expectativa social que quer afagar, não consegue se comportar de acordo com essa compreensão. 
  • "O Código reconhece, enfim, o princípio da insignificância, trazendo à lei critérios que vem sendo utilizados pela jurisprudência do STF. Pela imensidão de insignificâncias que a redação exige (mínima ofensividade da conduta, reduzidíssimo grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão) muito provavelmente vai levar o intérprete que naturalmente o exclui por falta de previsão a exclui-lo por ausência de seus requisitos –e ainda pode constranger os que já o aplicam. Não à toa, o infeliz exemplo trazido pela Exposição de Motivos foi justamente a do furto de alfinete".
        Aliam-se a esses dispositivos benéficos "ma non tropo"¸ a redução da pena de furto e roubo –também de uma forma constrangida. O furto simples passa a ter pena mínima de seis meses. Diferentemente de uma plêiade de tipos em que os padrões se repetem no Código entre 6 meses e dois anos, neste caso, a timidez levou os autores a fixarem três anos como máxima, com o propósito de impedir que o delito possa ser inserido entre os de menor potencialidade ofensiva –onde de fato deveria estar. Para não perder a mão apenas na entrega, o projeto incorpora à extensão da coisa móvel, o sinal de televisão a cabo ou de internet e item assemelhado que tenha valor econômico –resolvendo, de forma mais gravosa antigo dissenso jurisprudencial. E, pior, abre mão do próprio sentido de crime contra o patrimônio, ao inserir uma inusitada equiparação à coisa móvel do documento de identificação pessoal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário