1 - Introdução ao tema
É inarredável que o avanço da internet
proporcionou, em larguíssima escala, o contato entre pessoas,
independentemente da extensão territorial eventualmente existente entre
elas, sendo que a sensação de anonimato conferida pelos meios virtuais é
fator preponderante para o surgimento de uma nova espécie de ilícito
moral moderno, qual seja, a infidelidade virtual.
Nos termos do Código Civil de 2002:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:I - fidelidade recíproca;II - vida em comum, no domicílio conjugal;III - mútua assistência;IV - sustento, guarda e educação dos filhos;V - respeito e consideração mútuos.
O
dever matrimonial de fidelidade está inserido no conceito de lealdade,
entretanto, com ele não se pode confundir: a fidelidade diz respeito à
não coabitação ou manutenção de relação intima e desrespeitosa ao outro
cônjuge, exteriormente ao matrimônio, enquanto lealdade compõe qualidade
de caráter, implica um comprometimento mais profundo, não apenas
físico, mas também moral e espiritual entre os parceiros, na busca da
preservação da verdade intersubjetiva; ao passo que a fidelidade, por
sua vez, possui dimensão restrita à exclusividade da relação afetiva e
sexual. Todavia, embora distintas entre si, a lealdade e a fidelidade
devem ser observadas em todas relações matrimoniais.
A violação
do dever de fidelidade, independentemente da dissolução da sociedade
conjugal ou da relação de companheirismo, gera consequências jurídicas,
inclusive indenizatórias e essa cautela do Estado para que não haja
violação deste dever se verifica, não obstante o princípio da
intervenção mínima do Estado no Direito de Família, em razão da
fidelidade não ser um dogma absoluto, permitindo assim, intervenção
jurisdicional.
2 - Da prática do ato ilícito
No
Brasil, 99% dos usuários que utilizam a internet visitam sites de redes
socais, só perdendo para os Estados Unidos que conta com um índice de
99, 7%, em relação ao Facebook, rede social mais utilizada no
mundo, nosso país alcança a 12º posição de usuários – aproximadamente 13
milhões de pessoas – número que vem aumentando com a popularização da
plataforma.(Facebook e usuários no Brasil.
Observa-se
assim que o brasileiro está conectado na internet, com ampla utilização
de sites de relacionamento pessoal, de modo que, situações ligadas ao
ambiente virtual começam a bater na porta do Poder Judiciário com maior
frequência, desafiando os obreiros do direito na resolução destas
questões.
Se o homem (ou mulher) casado não chega propriamente à
conjunção carnal extraconjugal, mas faz carícias libidinosas em pessoa
diversa de seu cônjuge ou mesmo emite-lhe sinais (correspondidos ou não)
de que desejaria manter relacionamento sexual extraconjugal, descumpre
igualmente o dever de fidelidade, numa prática chamada de “quase
adultério”. Verifica-se o descumprimento do dever conjugal, como se o
adultério tivesse mesmo ocorrido. Desse modo, o chamado sexo virtual, em
que os parceiros trocam mensagens eróticas via internet, é exemplo de infidelidade virtual.
Neste
diapasão, estudos psicológicos expõem que comportamentos que nem sempre
são tidos como sexuais, por exemplo conversas ao telefone e computador,
também são considerados formas de infidelidade, restando caracterizada a
conduta infiel o simples fato de haver intenção mental e psicológica
para querer estar com o outro.
Para os estudiosos da área de
psicologia e comportamentos humanos, o tema infidelidade abrange o
adultério, que é espécie, sendo o primeiro mais amplo, pois não
pressupõe presença física do outro.
A liberdade proporcionada
pelo mundo fictício faz com que o sujeito construa um espaço ideal para
seus desejos e vontades internas, tal como se dispusesse de uma página
completamente em branco, as ser preenchida de acordo com a intenção de
quem a detém. Existe a possibilidade de o utilizador omitir ou fantasiar
seus dados pessoais, tais como idade, profissão, raça. No que tange aos
aspectos morais de cada indivíduo, é possível que também crie no espaço
virtual todas as características que deseja possuir, ainda que sejam
diferentes de seu comportamento verdadeiro demonstrar. Contudo, referida
situação de mascarar a realidade por traduzir a insegurança interna do
utilizador, em outras palavras, o que não alcança na vida real, o
internauta tenta atingir na esfera eletrônica, sendo isso talvez um modo
se realização pessoal.
A infidelidade virtual acaba sendo forma
de infidelidade moral, que apesar de não existir o contato físico, o
companheiro acaba criando um elo erótico-afetivo com pessoa estranha a
relação, revelando intimidades suas e do casal, fantasiando encontros
que só tendem a levar a sua concretização.
Nesse sentindo, já é possível colher decisões que atribuem às relações amorosas/eróticas virtuais natureza de infidelidade:
“TJDF DIREITO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONJUGAIS – INFIDELIDADE – SEXO VIRTUAL (INTERNET) – COMENTÁRIOS DIFAMATÓRIOS – OFENSA À HONRA SUBJETIVA DO CONJUGE TRAÍDO – DEVER DE INDENIZAR – EXEGESE DOS ARTS. 186 E 1.566 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – PEDIDO JULGADO PRECEDENTE.[...] Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante, afirma a sentença. As provas foram colhidas pela própria esposa enganada, que descobriu os e-mails arquivados no computador da família. Ela entrou na Justiça com pedido de reparação por danos morais, alegando ofensa à sua honra subjetiva e violação de seu direito à privacidade. Acrescenta que precisou passar por tratamento psicológico, pois acreditava que o marido havia abandonado a família devido a uma crise existencial. Diz que jamais desconfiou da traição, só comprovada depois que ele deixou o lar conjugal. Em sua defesa, o ex-marido alegou invasão de privacidade e pediu a desconsideração dos e-mails como prova da infidelidade. Afirma que não difamou a ex-esposa e que ela mesma denegria sua imagem ao mostrar as correspondências às outras pessoas. Ao analisar a questão, o magistrado desconsiderou a alegação de quebra de sigilo. Para ele, não houve invasão de privacidade porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a ex-esposa tinha acesso à senha do acusado. Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências, conclui. (Proc. Nº 2005.01.1.118170-3 TJ-DFT TJDF, Sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida).TJSP - Alimentos - Provisórios - Mulher casada - Pendência de separação judicial ajuizada pelo marido - Imputação de conduta desonrosa à esposa, manifestada em infidelidade virtual - Interferência na motivação da tutela emergencial - Mulher, ademais, habilitada para o trabalho - Provisórios negados - Inteligência do artigo 19 da Lei Federal nº 6.515/77 - Recurso não provido"(AI 206.044-4).
Destarte,
a infidelidade virtual (moral) chega a assumir uma gravidade maior do
que alguns casos de infidelidade sexual (adultério), pois enquanto o
companheiro infiel trai apenas pode trair apenas uma vez, no calor da
atração física, o amante virtual pode manter a relação durante um longo
tempo, destinando carinho e afeto ao seu correspondente, mesmo sem saber
se existi a simetria real entre o seu “amor” e a identidade apresentada
pela internet.
Assim, com clareza meridional, é possível afirmar
que a ruptura virtual do dever de fidelidade é plenamente possível e,
mais, cresce concomitantemente à evolução das tecnologias em
comunicação.
3 - Da reparação civil pelo dano moral ou material ocasionado
Não
obstante a ausência de regramento legal específico para as ações
indenizatórias no âmbito das relações familiares, para as demandas
referidas, aplica-se a mesma fundamentação legal que ampara as
indenizações por danos morais do Direito Civil, caracterizadas pelo
disposto nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, os quais abaixo se transcrevem:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo eu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Portanto, infere-se que, embora esteja em vigência o princípio da
mínima intervenção estatal nas relações familiares, impedindo, portanto,
o Estado impor, coercitivamente, a observância da estrita fidelidade
aos casais, constituindo a fidelidade elemento basilar da constituição
conjugal, o seu descumprimento afeta a organização social da família e,
por consequência, interessa à ordem jurídica a sua regulamentação,
cabendo a essa empreender esforços para promover o status quo de entes desestabilizados emocionalmente em virtude de relações extraconjugais.
Desde
que comprovada a existência de dano moral e /ou material, decorrente da
violação ao dever de fidelidade (pessoal ou virtualmente), cabe
aplicação dos princípios da responsabilidade civil, com fundamento no já
mencionado artigo 186 do Código Civil.
Dessa forma, não resta dúvidas que a infração ao dever de fidelidade
enseja o cabimento de indenização por danos morais, em vista dos
sentimentos negativos suportados pelo cônjuge inocente. O dever de
fidelidade deve perdurar enquanto subsista a sociedade conjugal,
terminada esta pela morte, anulação do casamento ou separação judicial,
onde readquire o cônjuge, de acordo com o artigo 1576 do Código Civil,
plena liberdade sexual. Em relação à separação de fato, colocar fim ao
dever de fidelidade recíproca ou não, existe divergência doutrinária:
Uma parte da doutrina, não reconhece na separação de fato o efeito de
extinguir esse dever e outra parte que confere a ruptura da fato
prolongada o relaxamento dos liames conjugais com a extinção do dever de
fidelidade.
4 - A dificuldade de se produzir prova
No
que tange à produção de prova da infidelidade virtual, a dissonância se
instala na contraposição dos direitos constitucionais a honra e o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas. A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 5º:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...][...] XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas [...].
Explica-se: a
descoberta da infidelidade virtual pelo cônjuge traído se dá,
normalmente, na medida em que o mesmo acessa algum tipo de serviço de
comunicação por internet utilizado pelo outro mediante tentativa de colocação de senha ou via softwares que
auxiliam ao acesso (não permitido) a determinada informação, ou seja, o
cônjuge traído invade o sítio virtual do traidor para angariar
informações a respeito da traição e, neste aspecto, para o direito
civil, a prova seria ilícita, com base na Teoria dos Frutos da Árvore
Envenenada, isto é, ainda que a prova seja verdadeira, o modo como foi
obtida é ilícito e a contamina, pelo que não merece admissão no
processo, entretanto cabe ao julgador (destinatário da prova), no caso
concreto, examinar a possibilidade de aceitação da prova.
5 - Conclusão
Por todo o exposto é possível concluir que o avanço tecnológico da
humanidade, especialmente em suas vias eletrônicas, ocasionou grande
impacto às relações interpessoais e, em decorrência disso, assim como a
esmagadora maioria dos fatos da sociedade, causou reflexos no campo
jurídico, tanto positiva quanto negativamente.
A infidelidade
não se mostra como novidade, entretanto, na esfera virtual, o instituto
tem atingido pratica cada vez mais reincidente, ocorrência que deve
servir de alarme para o legislador ante a falta de normatização das
relações oriundas dos meios eletrônicos.
O dever de fidelidade está entre deveres conjugais previstos no Código Civil,
constituindo um dever jurídico com finalidade de manutenção da
sociedade conjugal. Ainda que sua inobservância se dê a partir do meio
virtual, as consequências são similares às da prática física, por vezes
atingindo a dignidade, honra e psique da vitima, resultando em uma
situação vexatória.
O campos da responsabilidade civil
necessariamente devem abranger a modalidade eletrônica de infidelidade,
de modo a assegurar o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, entretanto a cautela é indispensável quando se trata de
intervenção estatal nas entidades familiares, principalmente porque
descabida a imposição de penalidade pecuniária em razão de mero dissabor
criado em razão da vida cotidiana.
No que diz respeito aos
meios probatórios, ainda que seja inadmissível a prova ilícita em juízo,
ao se aplicar o princípio da proporcionalidade a manutenção da honra
parecer ser motivo justo para o sacrífico do sigilo de comunicação.
Portanto,
tem-se que a Responsabilidade Civil, assim como os demais institutos
jurídicos, deve se estender de modo a acompanhar as evoluções
tecnológicas e sociais, ressaltando-se somente a cautela quando da
intervenção do Estado, que deve atuar somente nos casos em que for
verificada a presença abalo real, capaz de causar transtornos e
prejuízos sentimentais, sob pena de se estar judicializando as relações
pessoais.
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