De início, lembramos que o Brasil é signatário da CIDH e à ela deve
obediência. Lembramos tratar-se de ordenamento supralegal, que caso
desrespeitado o Brasil poderá sofrer sanções internacionais. O artigo é
preciso ser lido despido de partidarismos, quando propomos uma análise
constitucional e convencional da questão já que inseridos estamos em um
Estado Democrático de Direito.
O filho do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, Fábio Luís Lula da Silva (Lulinha), entrou no
Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de queixa-crime contra o
deputado federal Domingos Sávio (PSDB-MG). A defesa de Lulinha pede a
condenação do tucano pelos crimes de "calúnia, injúria e difamação". A
ação foi encaminhada à Suprema Corte e tem como base declarações que
teriam sido feitas por Sávio em entrevista realizada no último mês de
fevereiro a uma rádio de Minas Gerais.
No documento, a defesa de
Lulinha destaca o seguinte trecho da entrevista do tucano. "Essa
roubalheira na Petrobras começou lá no governo Lula e o Lulinha, filho
dele, é um dos homens mais ricos do Brasil hoje. É uma bandalheira. O
homem tá comprando fazendas de milhares e milhares de hectares, é toda
semana. É um dos homens mais ricos do Brasil e ficou rico do dia para a
noite, assim como num passe de mágica, rico, fruto de roubalheira que
virou este país".
Advogados de Lulinha rebatem as acusações de
Domingos Sávio e dizem que ele "jamais" foi sócio ou manteve negócios
relacionados à agroindústria, assim como "nunca" foi proprietário de
fazendas ou propriedades rurais.
"As ofensivas proferidas pelo
querelado contra o querelante são repugnantes, irrogadas e mentirosas e
atribuem ao mesmo cometimento de crimes com associação criminosa,
lavagem de dinheiro, tráfico de influência, dentre outros, tudo o
exclusivo objetivo de denegrir sua imagem, reputação e dignidade", diz
trecho da ação.
A apresentação da queixa-crime contra o deputado
ocorre após a ministra do Supremo, Rosa Weber, determinar no último mês
de maio o arquivamento de uma primeira "interpelação" encaminhada ao
STF.
"O processo de interpelação judicial é uma medida
preparatória para a ação penal, de modo que não cabe ao STF qualquer
juízo de valor, mas apenas franquear ao possível autor do delito a
oportunidade de manifestação para fins de retratação ou esclarecimento",
alega a defesa de Lulinha no documento.
No mesmo dia, Lula tomou
a mesma iniciativa em face de Ronaldo Caiado (DEM), pois Caiado teria
chamado Lula de bandido no Twitter, quando para o seu patrocinador na
ação Caiado haveria extrapolado sua imunidade parlamentar a partir da
ofensa ao ex-presidente da republica. Será?
Temos que ação encaminhada ao STF é juridicamente impossível, tendo em vista que, em face do que apregoa o art. 4º, inc. II da CRFB e art. 7º
(do ADCT), os Organismos Internacionais de Direitos Humanos não mais
admitem a tramitação de supostos crimes envolvendo a honra de
funcionários públicos no exercício da função na esfera penal, e sim na
esfera cível com pedido de retratação do sujeito ativo e indenização por
danos morais.
A questão de fundo está no interesse da ação penal envolvendo um sujeito (passivo) que não é funcionário público diante de um sujeito (ativo) que é funcionário público, contudo a imunidade parlamentar e de autoridades judiciárias devem sofrer modulação diante da proteção objetiva do art. 5º da CRFB "c/c" com o art. 107, inc. VI e art. 143 do Código Penal que não sofre na sua literalidade constitucional nenhuma abstração.
RELATÓRIO DA CIDH: COMISSÃO INTERAMERICANA DOS DIREITOS HUMANOS:
Dos delitos de calúnia, injúria e difamação (âmbito criminal):
17.
A Relatoria para a Liberdade de Expressão ressaltou, nos Relatórios
anuais anteriormente citados, que a opinião da CIDH em relação com o
tipo penal de desacato também apresenta certas implicações em matéria de
reforma das leis sobre difamação, injúria e calúnia. O reconhecimento
do fato de que os funcionários públicos estão sujeitos a um menor, e não
a um maior, grau de proteção frente às críticas e ao controle popular
significa que a distinção entre as pessoas públicas e privadas deve-se
efetuar, também, nas leis ordinárias sobre difamação, injúria e calúnia.
A possibilidade de abuso de tais leis, por parte dos funcionários
públicos, para silenciar as opiniões críticas é tão grande no caso
destas leis como no das leis de desacato.
A CIDH manifestou: A
arena político, em particular, o limiar para a intervenção do Estado a
respeito da liberdade de expressão é necessariamente mais alto devido à
função crítica do diálogo político em uma sociedade democrática.
A
Convenção requer que este limiar se incremente, mais ainda, quando o
Estado impuser o poder coativo do sistema da justiça penal para
restringir a liberdade de expressão. Por isso, caso consideremos as
consequências das sanções penais e o efeito inevitavelmente inibidor que
têm sobre a liberdade de expressão, a punição de qualquer tipo de
expressão só pode ser aplicada em circunstâncias excepcionais nas quais
exista uma ameaça evidente e direta de violência anárquica.
A
Comissão considera que a obrigação do Estado de proteger os direitos
dos demais se cumpre estabelecendo uma proteção estatutária contra os
ataques intencionais à honra e à reputação, mediante ações civis e
promulgando leis que garantam o direito de retificação ou resposta.
Neste
sentido, o Estado garante a proteção da vida privada de todos os
indivíduos sem fazer um uso abusivo de seus poderes de coação para
reprimir a liberdade individual de se formar opinião e expressá-la.
18. Para
assegurar uma adequada defesa da liberdade de expressão, os Estados
devem ajustar suas leis sobre difamação, injúria e calúnia de forma tal
que só possam ser aplicadas sanções civis no caso de ofensas a
funcionários públicos. Nestes casos, a responsabilidade, por ofensas
contra funcionários públicos, só deveria incidir em casos de “má fé”. A
doutrina da “má fé” significa que o autor da informação em questão era
consciente de que a mesma era falsa ou atuou com temerária
despreocupação sobre a verdade ou a falsidade de esta informação. Estas
ideias foram recolhidas pela CIDH ao aprovar os princípios sobre
Liberdade de Expressão, especificamente o Princípio 10. Este propõe a
necessidade de revisar as leis que têm como objetivo proteger a honra
das pessoas (comumente conhecidas como calúnia e injúria e difamação). O
tipo de debate político, ao que dá lugar o direito à liberdade de
expressão e informação, gerará, indubitavelmente, certos discursos
críticos ou inclusive ofensivos para quem ocupa cargos públicos ou que
está intimamente vinculado à formulação da política pública. As leis de
calúnia e injúria são, em muitas ocasiões leis que, em lugar de proteger
a honra das pessoas, são utilizadas para atacar ou silenciar o discurso
que se considera crítico da administração pública. Quando se tutela o
cidadão dos crimes contra a honra contra funcionários públicos, há uma
via de mão dupla, quando os funcionários públicos também merecem
referida tutela com base na imunidade constitucional que ostentam e em
uma interpretação recíproca, por simetria da CIDH, isonômica.
Os
deputados contam com a proteção constitucional da imunidade por suas
palavras, que tem recebido do STF uma interpretação ampla com o objetivo
de proteger a liberdade de expressão dos parlamentares.
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (EC. 35/2001).
26.
Finalmente, outro argumento que é bastante comum afirma que uma
cláusula, como a que se propõe, significa, apenas, que certas pessoas
não têm honra. Esta argumentação é equivocada: os funcionários ou
figuras públicas têm honra, mas sua possível lesão cede lugar a outro
bem que o corpo social, nesse caso, lhe outorga preponderância. Este
outro bem é a liberdade de expressão, em suas duas dimensões, tanto
social como individual. Um exemplo, longe deste conflito, permite dar
uma luz ao problema: se no momento de começar um incêndio, um indivíduo
pega fogo e a única maneira de apagá-lo é utilizando uma valiosa manta
para cobrir-lo, ninguém dirá que a manta chamuscada depois da operação
não tinha valor para seu dono. Ao contrário: sem dúvida, foi lesado o
direito de propriedade do dono da manta, mas isso cede lugar a outro bem
que ao ser ponderado deve prevalecer.
Esta tentativa de se
amesquinhar a liberdade de expressão por meio de coação através de ações
judiciais devem ser repelidas. Não se pode em uma democracia, em um um
Estado Democrático de Direito, inserir o temor da expressão com a maior
liberdade possível, sob pena de se conceber uma censura previa erga omnes.
O debate social resta essencial ao aperfeiçoamento da democracia.
Nestes termos bem agiu o TSE, quando aproveitamos para inferir ao
presente, ao rejeitar pedido de Dilma para censurar reportagem do site
da VEJA que através do Google divulgava a piora dos indicadores
econômicos do país, falta de transparência que vinha sendo prática
comezinha da Gestão PT até a reeleição de Dilma Rousseff. Não há
democracia sem transparência e sem liberdade de expressão, apenas os
excessos crassos, desarrazoados e despropositados, praticados em nítido
excesso de direito deve ser, cum granus salis, compensado. A
tentativa de censura prévia com o fito de sonegar informação relevante e
de interesse público não há que ser admitida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário