Discutir eleição é importante, claro. Mas o período eleitoral sempre
serve também para que outras instituições que estão de fora do processo
aprovem benefícios em causa própria ou façam coisas que querem ver
debaixo do tapete. Como todo mundo que acompanha o noticiário só presta
atenção aos candidatos, fica barato fazer coisas impopulares nesses
meses.
Em 2014, o troféu da medida impopular foi para o
Judiciário, aprovou R$ 1 bilhão em “auxílio-moradia” para os seus. São
R$ 4,4 mil por mês para cada magistrado do país, independente de ele
(ela) já ter casa, de morar com outro juiz (juíza), e agora, discute-se,
até mesmo independente de estar na ativa ou ser aposentado. Como
não precisam se eleger nem gostam muito de prestar contas do que fazem,
os juízes se retraíram e os críticos ficaram falando sozinhos. Mas às
vezes alguém põe a cabeça para fora e é possível perguntar por que,
afinal, dar auxílio moradia para quem já tem casa, e dar mais benefícios
a quem já tem salário inicial superior a R$ 20 mil. No Jornal da
Cultura, isso aconteceu. O desembargador José Roberto Nalini,
presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi questionado sobre o
tema. E vale a pena transcrever na íntegra a resposta:
“Esse auxílio-moradia na verdade disfarça um aumento do subsídio que está defasado há muito tempo. Hoje, aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno, não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, que cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, ele tem que usar uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro.
Espera-se que a Justiça, que personifica uma expressão da soberania, tem que estar apresentável. E há muito tempo não há o reajuste do subsídio. Então o auxílio-moradia foi um disfarce para aumentar um pouquinho. E até para fazer com que o juiz fique um pouquinho mais animado, não tenha tanta depressão, tanta síndrome de pânico, tanto AVC etc
Então a população tem que entender isso. No momento que a população perceber o quanto o juiz trabalha, eles vão ver que não é a remuneração do juiz que vai fazer falta. Se a Justiça funcionar, vale a pena pagar bem o juiz.”
A declaração é uma mostra do que pensa o Judiciário? Esperemos que não, claro, mas vejamos o que ela diz:
1- O juiz aparentemente ganha bem, mas não é verdade, dados os imensos encargos que ele tem.
2-
Entre esses encargos estão o Imposto de Renda e plano de saúde, coisas
que os demais brasileiros, por óbvio, não têm que pagar. Caso tivessem
de bancar isso, seguramente, visto que existe justiça no país,
receberiam auxílio-moradia igualmente.
3- Outro
encargo é que o juiz tem que comprar roupas. Curioso que o
auxílio-moradia pague ternos, mas vá lá. E não são quaisquer roupas de
plebeu, diga-se. São ternos de Miami! Necessariamente. Imagine só a que
se subordinam os juízes em nome da aparência da Justiça nacional, em
nome da boa expressão da soberania do país. Gastam dinheiro (do seu
próprio bolso!) para ir a Miami comprar ternos. Quem de nós, caso
tivesse sabido disso antes não teria se apiedado dos magistrados? Quem
ousaria ser contra um subsídio que garante esse gesto de altruísmo em
nome de nossa soberania?
4- Os juízes também precisam comprar camisas, sapatos e carros. O que justifica um auxílio moradia, evidentemente.
5- O salário de R$ 20 mil (inicial) e a ausência de um auxílio moradia estão levando nossos juízes à depressão. Custa ajudar?
6-
Além de depressão, o encargo de representar a soberania nacional com
viagens frequentes a Miami também está levando os magistrados a ter
ataques de pânico.
7- A ausência de um
auxílio-moradia causa AVC. (Não se sabe como os outros 99% da população
estão sobrevivendo a essas doenças todas que acometem quem não ganha o
benefício.)
8- Se a população soubesse o quanto o
juiz trabalha, pagaria sem reclamar. Porque, claro, os juízes trabalham
mais do que você, mais do que qualquer um. E ao invés de usar este
bilhãozinho para contratar mais juízes e dividir a carga, o certo é
pagar mais para que eles sejam recompensados pelo que fazem.
9- Não é o dinheiro do salário do juiz que fará falta. Afinal, o que é R$ 1 bilhão por ano, né?
10-
O auxílio-moradia é um disfarce assumido para reajuste de salário. O
que é ilegal. Mas como quem vai julgar isso é o próprio Judiciário, quem
se importa de admitir isso em público?
Fonte: http://direitoeliberdade.jusbrasil.com.br
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