- Amar, sim, é um ato revolucionário.
Após o resultado da eleição uma onda de ódio e preconceito tomou
conta das redes sociais contrariando tudo que se prega sobre Estado
Democrático de Direito e a construção de uma sociedade justa e
solidária. Outubro termina embalado por esse discurso hostil que só
desconstrói a ideia de sociedade democrática que respeita e defende os
direitos de todos. Por isso, para acabar com essa intolerância
preconceituosa, mais amor, por favor!
Amor é fogo que arde sem se veré ferida que dói, e não se sente;é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer;é um andar solitário entre a gente;é nunca contentar-se de contente;é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade;é servir a quem vence, o vencedor;é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favornos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?Luis Vaz de Camões
Camões,
em um de seus mais belos poemas, diz que o amor é contraditório, pois,
ao mesmo tempo em que propõe lealdade, contentamento e bem querer,
afirma ser um andar solitário, descontentamento, o perder e servir a
quem vence o vencedor. O amor é um sentimento imensurável, que arde sem
se vê, é a entrega mais protegida e a prisão mais consentida. É o amor!
Se
o amor é tão contraditório, como dizer que ele é legitimador do
Direito? Como afirmar que é por ele e através dele que se busca a
justiça, na defesa e na acusação, que comportamentos e ações se
transformam, que o agir humano se funda? Como afirmar que um sentimento
profundo, da alma humana, indomável, inconstante, irracional, sem
limites, pode servir de base ao reconhecimento da dignidade, inerente a
todos os seres humanos, de seus direitos iguais e inalienáveis, que são
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo? (Declaração
Universal dos Direitos Humanos).
O amor é a expressão da
totalidade do ser, que se aperfeiçoando no outro, permite enxergá-lo não
como um último recurso, mas como o principal protagonista do próprio
Direito. E a construção desse direito, inevitavelmente, está associada à
procura da outra metade que nos completa. Uma metade sem rosto e sem
identidade, a que não se esvazia com a diversidade e a pluralidade, mas
que se efetiva, como disse Saramago, em um Direito que se respeite, em
uma Justiça que se cumpra. Uma metade que nos faz ouvir o “grito” que
ecoa na dor que não se sente, na capacidade de olhar para o espelho e
ver refletidos a ilusão e o real, as rupturas e as portas para novos
caminhos e novos Direitos.
O amor possibilita aperfeiçoar um ser
humano a outro, permite o realizar-se. No direito, essa realização pode
estar na palavra que subjuga a razão, no desejo que impulsiona o agir,
no ato da comunicação, compreendido como expressão de amor. Pode estar
ainda na diferença e na autonomia de enxergar no outro um
potencializador de mudanças.
E, apesar de todas as contradições
existentes no amor, não há como deixar de vivencia-lo nas relações
humanas, nem como desconsiderar sua relevância para o Direito, já que
ele possui em sua estrutura constituinte o amor genérico,
racionalizável, entendido como renúncia ao interesse particular em favor
do coletivo. Esse amor, como fundamento do Direito, às vezes pouco
confiável, se apresenta como amor pelo todo e para todos.
Dessa
forma, Direito e amor, por vezes, podem percorre trajetos distintos ao
longo de um percurso, entretanto, sendo o amor universal um desejo que
se converte na raiz de todas as virtudes, torna-se um princípio de
unidade e reciprocidade existente na essência de um Direito justo, uma
vez que carrega certa complacência entre o amante e o objeto amado, ou
seja, o amor traz ao Direito uma afeição pelo Todo, pelo Bem e pelo
Justo. Enfim, voltando a Camões, “mas como causar pode seu favor,
nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?”
Com isso, por completa falta de parâmetros, para justificar e
dimensionar o amor, só me resta dizer que na vida e no Direito: ”A
medida do amor é amar sem medida” (Victor Hugo).
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