Necrofilia é uma palavra “de origem grega, de nekros (morto), philos (amante), exprime a obsessão ou perversão doentia de ter relações sexuais com cadáveres.”[1] (grifo nosso).
É nessa esteira que inicia-se a resposta para o tema proposto nesse texto.
Reza o artigo 212 do Código Penal que:
Art. 212. Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
O
núcleo do tipo, vale dizer, vilipendiar, significa aviltar, desprezar,
ultrajar. Dessa forma, indaga-se, fazer sexo com cadáver se enquadra em
alguma dessas hipóteses? Indubitavelmente, a resposta será positiva.
Por
outro lado, todavia, a doutrina discute acerca da necessidade ou não de
um dolo específico. Entendamos. Rogério Greco afirma que o fato de
alguém fazer sexo com um cadáver, por exemplo, já caracteriza o crime
sob comento.[2] Guilherme de Souza Nucci[3], por sua vez, afirma ser necessário “a vontade de ultrajar a memória do morto”. Cleber Masson[4] segue nesse mesmo sentido.
Mas,
na prática, tal discussão teria alguma relevância? Com certeza a
resposta é afirmativa, pois à medida em que exige-se uma finalidade
específica de ultrajar a memória do morto, podemos concluir que aqueles
que, por sentir apenas prazeroso (ou ter a necessidade – no caso dos necrófalos) transar com cadáver,
por exemplo, não tendo qualquer intenção de prejudicar a imagem do
falecido, não estaria cometendo o delito em comento, pois ausente estava
um elemento componente do fato típico (que, apenas para recordar, na
teoria analítica, juntamente com o fato ilícito e culpável, completaria o
conceito de crime). Dessa forma, estaríamos diante de fato atípico.
Olhando sob o outro enfoque, vale dizer, da corrente sustentada por
Rogério Greco, aquele que transa com o cadáver, independentemente de
está apenas saciando seu prazer (estranho, diga-se de passagem), estaria
incorrendo no delito de vilipêndio ao cadáver.
Esse crime, numa classificação doutrinária, é comum, tanto para o sujeito ativo, quanto para o passivo (aqui, não só a família do falecido seria vítima, mas a coletividade como um todo); doloso (pois não há previsão - nem lógica - de sua modalidade culposa); comissivo ou omissivo impróprio
(no caso daquele que tinha a obrigação de garantir a preservação do
corpo e, dolosamente, deixou que alguém praticasse a conduta prevista no
tipo); de forma livre (pois a redação do tipo não exige um comportamento especial, vinculado); instantâneo (já que o objeto jurídico pode ser destruído); material (pois é preciso a ocorrência do resultado naturalístico); monossubjetivo
(também chamados unissubjetivo ou de concurso eventual, se caracteriza à
medida em que a conduta pode ser praticada por apenas uma pessoa); plurisubsistente (pois o iter criminis pode, tranquilamente, ser fracionado, podendo ocorrer ainda, a tentativa); transeunte ou não transeunte (pois a depender do caso concreto, a infração pode ou não deixar vestígios).
O
presente delito está sujeito à ação penal pública de natureza
incondicionada, ou seja, independe da vontade de qualquer pessoa, como
por exemplo, um ente da família do morto, para que haja a investigação
preliminar e a consequente propositura da ação penal.
Ademais,
tendo em vista a pena mínima em abstrato (01 ano), é perfeitamente
possível a suspensão condicional do processo, desde que, por óbvio,
estejam presentes os demais requisitos que, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/1995
são: não está o acusado respondendo a outro processo criminal; não
tenha sido condenado por outro crime; e estejam presentes os demais
requisitos da suspensão condicional da pena, ou seja, o condenado não
ser reincidente em crime doloso (art. 77, I do CP);
a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão
do benefício (art. 77, II do CP); e não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código (art. 77, III do CP).
Dessa
forma, conclui-se que fazer sexo com cadáver é crime para parte da
doutrina, independentemente, de qualquer vontade específica, já para
outros estudiosos do direito, seria necessário, além do sexo em si, uma intenção específica de ultrajar a memória do morto ou de sua família.
A nosso ver, essa segunda corrente está com a razão, pois sem a
intenção de aviltar a imagem do falecido, não estaria caracterizado o
núcleo do tipo, qual seja, Vilipendiar. Além do mais, se for ter a
necrofilia como doença, poderíamos, inclusive, discutir a
inimputabilidade do agente.
[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 31ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
[2] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, vol. III. 12ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
[3] NUCCI, Guilherme. Manual de direito penal: parte geral e especial. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Pág. 827.
[4] MASSON, Cleber. Código penal comentado. 2ª ed. São Paulo: Forense, 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário