Em sua mais recente coluna para o NewStateman, o escritor suíço Alain de Botton reflete sobre os conflitos inerentes à vida e a intensidade que damos a eles. Enquanto divergir é atemporal, a violência das discordâncias contemporâneas pode estar vindo de fatores específicos que devem ser levados em conta para promover relações mais saudáveis com os outros e com nós mesmos.
Uma lição sobre o tema doFronteiras do Pensamento 2015, Como viver juntos. Leia a tradução abaixo: Vivemos em um mundo saturado de divergências. As pessoas estão em desacordo sobre tudo, basicamente, desde quando se deve pedir um taxi ou sair para jantar e até se deveria existir um califado; sobre que tipo de órbita a Estação Espacial Internacional deveria assumir, sobre a forma correta de fazer lasanha ou até se a Hungria está na Europa central ou oriental e por quanto tempo uma criança deveria ser permitida a jogarMinecraft em uma tarde de sábado.
Uma lição sobre o tema doFronteiras do Pensamento 2015, Como viver juntos. Leia a tradução abaixo: Vivemos em um mundo saturado de divergências. As pessoas estão em desacordo sobre tudo, basicamente, desde quando se deve pedir um taxi ou sair para jantar e até se deveria existir um califado; sobre que tipo de órbita a Estação Espacial Internacional deveria assumir, sobre a forma correta de fazer lasanha ou até se a Hungria está na Europa central ou oriental e por quanto tempo uma criança deveria ser permitida a jogarMinecraft em uma tarde de sábado.
"Desentendimento é aquilo que te faz brigar e querer ainda mais a pessoa.
Fim é quando um desentendimento não te faz mais brigar nem a queres, é quando você simplesmente tem desprezo por ela. E percebe que tudo aquilo que existiu não existe mais".
Porém, o desentendimento pode ser civilizado, interessante e produtivo. Ele é, com bastante frequência, uma poderosa força de sofrimento: ficamos com raiva e perplexidade; ficamos consternados com as opiniões dos outros e nos sentimos intensamente incomodados por elas; nos sentimos derrotados, sem esperança e solitários; agonizamos, ensaiamos o conflito em nossas cabeças, nos preocupamos, sentimos culpa, ficamos preocupados... Desentendimentos são especialmente urgentes agora, devido às grandes forças sociais que têm sido alimentadas nos últimos dois séculos. Perguntar a um casal a respeito do que eles discordam é um exercício dos mais fascinantes e consoladores: percebemos que não estamos sós. Ao mesmo tempo, desentendimentos em relacionamentos nos parecem mais perturbadores do que no passado, pois as baixas expectativas antes transformadas em disputas estavam de acordo com o planejado. As pessoas não ficavam tão perturbadas por desavenças, já que a ideia de um relacionamento de total acordo, simpatia e reciprocidade não estava em jogo – é uma invenção muito recente, na melhor das hipóteses, originária do meio do século XVIII.
Há também o problema da hierarquia. Na maior parte de nossa história, vivíamos em sociedades patriarcais: eram os homens que resolviam todos os desentendimentos familiares. Agora há uma profunda (mas historicamente ainda muito nova) sensação de igualdade, entre os casais e também com os filhos. Confiamos que os casais precisam conversar a respeito de suas opiniões, sobre o que deveriam saber, sobre aquilo que se interessam e que respeitem as ideias uns dos outros. Ninguém pode ser o chefe em um determinado assunto. Isso se estende aos filhos: as crianças são tidas como fontes de percepções espontâneas e novas perspectivas. Suas opiniões também merecem ser ouvidas. Ficamos tão preocupados em não arrasar seus egos precocemente, que as encorajamos a ter opiniões sobre todos os aspectos da vida. Como resultado, pode se tornar muito difícil chegar a uma decisão a respeito de qualquer coisa, incluindo o que jantar. A cacofonia democrática e o caos familiar refletem aqueles do mundo político. Não somos mais capazes de governar por hierarquia, mas ainda não conseguimos chegar a um acordo e gerenciar disputas. Esse é o momento em que nos encontramos.
- Atitudes que ajudam:
Não importe energia de outros lugares para seus desentendimentos. Muitos de nossos desentendimentos são sobre assuntos intelectuais: o futuro do Euro, imigração, dívida, censura, educação... Você pode se encontrar tomando uma posição apaixonada sobre a economia Peruana, a importância de George Orwell, se os chineses descobriram a América no século XV, a situação das mulheres na França do século XVIII... (cada um tem sua própria lista). Esses não são assuntos inerentemente sem mérito – mas, a intensidade que se investe neles pode ser desproporcional em relação ao que realmente está em jogo. Em momentos mais tranquilos, você pode se perguntar por que se preocupou tanto a respeito deles. É aqui que encontramos o fenômeno de Energia Importada de Outro Lugar: nessa dinâmica, o combustível do desentendimento não vem apenas do assunto em debate. A intensidade vem das coisas acontecendo em outros aspectos da sua vida. Na hora, não percebemos que isso está ocorrendo – o que torna muito difícil apaziguar um desentendimento. A energia é importada de várias formas. Às vezes, estamos discordando de pessoas que até já morreram. O desentendimento presente representa um problema do passado. Você pode nunca ter convencido seu pai de enxergar os méritos da sua escolha profissional, então, você tenta convencê-lo se irritando com a pessoa sentada ao seu lado na mesa. Havia um conhecido de faculdade cujas ideias políticas lhe irritavam; você tentava sempre provar que ele estava errado dando lições de moral para estranhos em festas. Sua ex-mulher sempre dizia que você era egoísta; agora, você tenta ganhar a discussão tirando sarro de pessoas extremamente engajadas na frente de qualquer um que lhe dê ouvidos.
Às vezes, desejos sexuais frustrados se canalizam em desentendimentos. Há alguém por quem você se atrai (mas você está relutante em admitir); você a acha excitante – mas ela não parece se interessar. O desentendimento oferece uma forma de fazer contato; você a contradiz, você faz com que ela perceba a importância de determinado fato; à força, você tenta desalojar uma das suas convicções preferidas. A energia não vem do tópico sendo discutido: é emprestada de um desejo frustrado. Na teoria, não fomos feitos para fortes divergências – situações na qual dizemos a nós mesmos que a outra pessoa está muito errada a respeito de sua opinião. Mas, existe uma verdade sombria: em vez de sentirmos desconforto, às vezes até que gostamos bastante. Criar um mundo mais civilizado pode significar deixar para lá alguns dos prazeres de um desentendimento violento.
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