Esta reflexão insere-se em uma vertente de trabalhos socioantropológicos que – alinhados a uma perspectiva na qual a obra de Foucault (1997) pode ser tomada como um marco – compreendem a sexualidade como uma complexa malha de regulações historicamente constituídas. Ao comentar certos documentos que sustentam repúdio e rejeição ao “homossexualismo”, procuramos realçar o caráter “produtivo” destes. Está se tratando, em última instância, de alguns discursos que dão margem a técnicas de sujeição no meio pastoral, na interação dos fiéis entre si e com a sociedade mais abrangente, podendo impactar a vida dos sujeitos nas esferas pública e privada. Seus autores apresentam-se como porta-vozes ou paladinos de instituições, grupos e valores religiosos que falam em defesa de uma heterossexualidade compulsória. Ao se afirmar a “heterossexualidade” como única e legítima forma de exercício do desejo, confere-se inteligibilidade, importância e materialidade ao “sexo” biológico, tomando diferenças de gênero e subordinações culturalmente constituídas como se fossem “naturais” (Butler, 2003:38-48). Esta construção de uma conexão naturalizada entre “sexo”, “gênero”, “desejo” e “práticas” heterossexuais requer uma desqualificação de modos de vivência da sexualidade e do gênero que sejam dissidentes em relação a esta norma.
Começa com uma pergunta simples: a saber, de onde vem a homofobia? Viria da
religião? Essa grande detentora de códigos e interpretações morais rígidas,
pautadas por comportamentos milenares de sociedades específicas.Creio que a religião, especialmente as fundamentalistas são culpadas, hoje,
sim, mas não são a origem. A origem do preconceito é mais antiga e a religião,
especialmente as neopentecostais, em franca ascensão na Bahia, se adequam à uma
tendência preconceituosa no próprio ser humano.
As religiões ocorrem naturalmente na maioria das sociedades. Funcionam como
ordenadoras da sociabilidade e funcionam também como forma de manifestação da
espiritualidade. Quanto menos científica é uma sociedade, mais ela tende a
explicar a natureza e seus fenômenos através de enredos fantásticos que
apresentam relações causais pautadas pelo sobrentural. Alguns estudos (houve um
publicado, que lança a seguinte
hipótese: que as religiões advém e se alimentam da capacidade colaborativa do
Homo Sapiens e funciona assim para ordenar a sociedade segundo critérios
aleatórios mas que parecem funcionar para cada grupo de acordo com
particularidades culturais. Assim, critérios do que é bom e do que é ruim são
elaborados e são vistoriados com frequência.
Religião é uma forma de significar a existência cotidiana: oferecendo manuais
éticos, morais, e é também estruturadora de tipos de sociabilidade. Acontece
que, como em toda manifestação cultural humana (e religião é da esfera da
cultura), há diferentes níveis de adesão e de manifestação: dos menos aos mais
radicais. Religiões fundamentalistas levam a ideia de manual ético e de
interpretação pedagógica da realidade ao extremo da escala, funcionando assim de
modo equivalente a uma neurose ou a uma patologia social, visto que engessam a
sociedade e o pensamento.
A categoria homofobia é tributária de um período histórico em que o termo “homossexualidade” aglutinava manifestações de disposições eróticas muito distintas sob um único rótulo. A noção, na formulação proposta pelo psicólogo norte-americano George Weinberg nos anos 1970, designava (e qualificava como sintomas de uma doença mental) sentimentos e atitudes de aversão à homossexualidade masculina e feminina, assim como à “inversão de gênero”. As motivações subjacentes a essas reações de repúdio poderiam ser muito plurais, mas seus efeitos alinhavam-se em função de demarcarem e depreciarem uma categoria de pessoas. Embora fosse empregada então para assinalar uma suposta condição “patológica”, entendemos que a noção de homofobia pode também ser útil para diagnosticar processos de estigmatização que incidem sobre sujeitos que exercem formas da diversidade sexual. Conforme sugere o antropólogo Patrick Larvie, este termo circunscreve “[...] um conjunto de práticas sociais e culturais que simultaneamente marca como “outro” e penaliza sujeitos com preferências eróticas pelo mesmo sexo” (Larvie, 1997:146), de tal modo que pode ser empregado como um analisador para situar certo tipo de práticas produtoras de estigma social.
Por isso, não há espaço para interpretações radicais do mundo. A laicização
da sociedade é tendência, pelo menos, desde a Reforma Protestante na Europa. A
ironia é que os neopentecostais sejam prole dessa mesma disputa pela
interpretação dos textos do cristianismo e que, nadando contra a corrente,
tenham se fechado em si mesmos (por enquanto). A tendência é pois que, com mais
educação e respeito aos direitos fundamentais de todo indivíduo, essas religiões
primitivas sejam extintas.
Religiões, porém, vão sempre existir, pois precisamos de ficções cotidianas
para nos pretendermos eternos. A diferença é a natureza cosmopolita das crenças
que estão por vir. Por outro lado, preconceito também vai continuar existindo. A
ação causada pelo preconceito talvez diminua em violência e em crueldade. E por
que o preconceito continuará existindo? Porque nós gostamos e desgostamos com a
mesma intensidade. Porque existem indivíduos que nos agregam valores e existem
indivíduos cuja existência nos causa aversão, pois ameaçam a nossa integridade
na interpretação do mundo e na construção de valores individuais. Viver é
difícil e não vem com manual; para alguns, neste dilúvio, qualquer pedaço de
madeira está valendo.