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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A MERCANTILIZAÇÃO DA BARRIGA DE ALUGUEL: UM DESEJO "ILÍCITO" DE SER PAI.

"A vida transformada em ato jurídico (im) perfeito"

“Casal gay volta da Tailândia com filhas gêmeas geradas em barriga de aluguel.”
Sempre se ouviu falar que o direito é um organismo vivo que acompanha as evoluções ou involuções da sociedade humana, de modo que impossível se faz qualquer tentativa de regular por completo todas as ações futuras pelas quais o homem trilhará seu caminho rumo à satisfação de seus desejos, porque haverá sempre um fato novo que irá desafiar a ordem estabelecida e exigir a tutela jurisdicional para a resolução do conflito e o estabelecimento da paz social. Eis a máxima latina: “da mihi factum, dabo tibi jus”. Em bom português: “dá-me o fato, que eu te dou o direito”.Não obstante, na prática e no exame do caso concreto, o que separa o fato do direito não é apenas uma vírgula (como na máxima acima), mas um tempo, muitas vezes uma vida inteira.Por falar em vida, um casal homoafetivo brasileiro quis vencer a impossibilidade de gerar a vida entre si e, ciente da não aceitação da legislação brasileira face à “barriga de aluguel” com fins comerciais, buscou em outro país uma forma de concretizar seu desejo.No caso, o procedimento, coordenado por uma empresa de Israel, usou óvulos de uma mulher africana, que fecundado com os sêmens dos pais, foi inserido em duas mulheres tailandesas, contratadas para gerirem as proles. E o mistério da vida se desfez! Uma verdadeira saga contra os postulados, uma luta pelo amor de serem pai e pai.
Contudo, a poesia se perde na obscuridade que circunda o referido episódio, porquanto inúmeros fatores fazem com que se torne impossível a concretização de tal desejo.Sem a pretensão platônica de esgotar o tema, mas com o fito de apresentar um posicionamento jurídico, é bem de ver que a contratação comercial de barriga de aluguel e a intenção de tirar do registro da criança o nome da mãe e inserir o nome do outro “pai”, revelam uma tentativa gravada na legalidade do negócio jurídico celebrado.Negócio jurídico?! – indaga o paralegal empolgado. Pois sim. Afinal, a partir do momento em que a mulher contratada para ser barriga de aluguel dá à luz um dos herdeiros do casal, esta é registrada como mãe da criança, bem como um dos integrantes da união, como pai.Desta forma, tem-se um ato jurídico perfeito no que tange ao registro das crianças. Nesse ponto reside toda a trama, de modo que cabe perguntar: aduzida vontade pode ser recepcionada pela legislação brasileira? Até que ponto o desejo por serem pais de modo inovador, pode falar mais alto que o direito? Cumpre-se a lei ou abre-se um precedente que coloca em xeque a segurança jurídica do instituto família?. Longe da emoção, que muitas vezes leva a erros, a interpretação sistemática do art.166, do Código Civil, torna lúcida a questão. Afinal, o ato jurídico que outrora era perfeito, isto é, o registro das crianças com nome de pai e mãe, acaba por tornar-se imperfeito à medida que o motivo determinante do negócio jurídico celebrado é ilícito (barriga de aluguel), e sequer prescrito em lei, razão pela qual a legislação pátria obsta a vontade dos pais. Ademais, o casal passou por três continentes para concretizar aquilo que se proíbe no Brasil, de modo que também o art. 17 da LINDB, expressamente dispõe que o contrato celebrado no exterior que venha a ferir a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, não terá eficácia no Brasil. 
Assim, reconhece-se o interesse dos pais homossexuais, vez que almejam que seus filhos possam ser registrados apenas como seus, o que é legítimo e digno. Contudo, juridicamente, esse interesse não pode ser aceito, uma vez que estará contrariando a norma legal. Mas e o reconhecimento da socioafetividade? - há quem pergunte.Tal tema, embora relevante, ultrapassa os limites da lei, logo, quiçá seja abordado em outro contexto, por ora, o negócio jurídico celebrado pelo casal, com o intuito de fraudar lei brasileira, não deve ser considerado válido, pelo menos no Brasil. O pior de tudo é pensar que hoje se fala em vida sob o viés de negócio jurídico, pois não é outra a natureza jurídica da prática ilícita da “barriga de aluguel” com fins mercantis. É a vida...



AUTORES:
GERALDO NETO – Graduado em Direito – FIO (2009-2013); Aluno da Pós-Graduação em Processo Civil e Direito Civil – PROJURIS (2014-2015). Advogado.
HUGO PIRES – Acadêmico de Direito - FIO (2011-2015); Aluno da Pós-Graduação em Processo Civil e Direito Civil - PROJURIS (2014-2015); Graduado em Letras / Literatura pela UENP (2005-2008). Professor de Redação.

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