"A vida transformada
em ato jurídico (im) perfeito"
“Casal gay volta da
Tailândia com filhas gêmeas geradas em barriga de aluguel.”
Sempre
se ouviu falar que o direito é um organismo vivo que acompanha as evoluções ou
involuções da sociedade humana, de modo que impossível se faz qualquer
tentativa de regular por completo todas as ações futuras pelas quais o homem
trilhará seu caminho rumo à satisfação de seus desejos, porque haverá sempre um
fato novo que irá desafiar a ordem estabelecida e exigir a tutela jurisdicional
para a resolução do conflito e o estabelecimento da paz social. Eis
a máxima latina: “da mihi factum, dabo tibi jus”. Em bom português: “dá-me o
fato, que eu te dou o direito”.Não
obstante, na prática e no exame do caso concreto, o que separa o fato do
direito não é apenas uma vírgula (como na máxima acima), mas um tempo, muitas
vezes uma vida inteira.Por
falar em vida, um casal homoafetivo brasileiro quis vencer a impossibilidade de
gerar a vida entre si e, ciente da não aceitação da legislação brasileira face
à “barriga de aluguel” com fins comerciais, buscou em outro país uma forma de
concretizar seu desejo.No
caso, o procedimento, coordenado por uma empresa de Israel, usou óvulos de uma
mulher africana, que fecundado com os sêmens dos pais, foi inserido em duas
mulheres tailandesas, contratadas para gerirem as proles. E o mistério da vida
se desfez! Uma verdadeira saga contra os postulados, uma luta pelo amor de
serem pai e pai.
Contudo,
a poesia se perde na obscuridade que circunda o referido episódio, porquanto
inúmeros fatores fazem com que se torne impossível a concretização de tal
desejo.Sem
a pretensão platônica de esgotar o tema, mas com o fito de apresentar um
posicionamento jurídico, é bem de ver que a contratação comercial de barriga de
aluguel e a intenção de tirar do registro da criança o nome da mãe e inserir o
nome do outro “pai”, revelam uma tentativa gravada na legalidade do negócio
jurídico celebrado.Negócio
jurídico?! – indaga o paralegal empolgado. Pois sim. Afinal, a partir do
momento em que a mulher contratada para ser barriga de aluguel dá à luz um dos
herdeiros do casal, esta é registrada como mãe da criança, bem como um dos
integrantes da união, como pai.Desta
forma, tem-se um ato jurídico perfeito no que tange ao registro das crianças.
Nesse ponto reside toda a trama, de modo que cabe perguntar: aduzida vontade
pode ser recepcionada pela legislação brasileira? Até que ponto o desejo por
serem pais de modo inovador, pode falar mais alto que o direito? Cumpre-se a
lei ou abre-se um precedente que coloca em xeque a segurança jurídica do
instituto família?. Longe da emoção, que muitas vezes leva a erros, a interpretação
sistemática do art.166, do Código Civil, torna lúcida
a questão. Afinal, o ato jurídico que outrora era perfeito, isto é, o registro
das crianças com nome de pai e mãe, acaba por tornar-se imperfeito à medida que
o motivo determinante do negócio jurídico celebrado é ilícito (barriga de
aluguel), e sequer prescrito em lei, razão pela qual a legislação pátria obsta
a vontade dos pais. Ademais,
o casal passou por três continentes para concretizar aquilo que se proíbe no
Brasil, de modo que também o art. 17 da LINDB, expressamente dispõe que o
contrato celebrado no exterior que venha a ferir a soberania nacional, a ordem
pública e os bons costumes, não terá eficácia no Brasil.
Assim,
reconhece-se o interesse dos pais homossexuais, vez que almejam que seus filhos
possam ser registrados apenas como seus, o que é legítimo e digno. Contudo,
juridicamente, esse interesse não pode ser aceito, uma vez que estará
contrariando a norma legal. Mas e o reconhecimento da socioafetividade? - há
quem pergunte.Tal
tema, embora relevante, ultrapassa os limites da lei, logo, quiçá seja abordado
em outro contexto, por ora, o negócio jurídico celebrado pelo casal, com o
intuito de fraudar lei brasileira, não deve ser considerado válido, pelo menos
no Brasil. O
pior de tudo é pensar que hoje se fala em vida sob o viés de negócio jurídico,
pois não é outra a natureza jurídica da prática ilícita da “barriga de aluguel”
com fins mercantis. É a vida...
AUTORES:
GERALDO
NETO – Graduado em Direito – FIO (2009-2013); Aluno da Pós-Graduação em
Processo Civil e Direito Civil – PROJURIS (2014-2015). Advogado.
HUGO
PIRES – Acadêmico de Direito - FIO (2011-2015); Aluno da Pós-Graduação em
Processo Civil e Direito Civil - PROJURIS (2014-2015); Graduado em Letras /
Literatura pela UENP (2005-2008). Professor de Redação.
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