O decreto 8.262/14, que altera o de nº 2.018/96, regulamentou a Lei nº 12.546/2011 e proibiu, em todo território nacional, o fumo em locais fechados, assim como, dentre outras previsões, dispôs sobre a propaganda, venda e publicidade dos produtos fumígeros. Brota, assim, de forma esperada e sem qualquer restrição, uma norma legal advinda de uma norma social, que compreendia um comportamento proibitivo convencional não vinculatório, mas que proporcionou um progresso humano de convivência comportamental, exigindo, para sua consolidação formal, as amarras legais.
Deve-se buscar no nascedouro a motivação da lei antifumo. Dentre os apontados, pode-se eleger como principal a nocividade do tabaco, por conter monóxido de carbono e viciar paulatinamente, sem dose letal como outras drogas, mas que provoca dependência e a ocorrência de doenças respiratórias, cardíacas, além de abrir espaço para a ansiedade, depressão e outros males. O interesse que determinou a vontade da lei foi o de proteger a saúde não só do fumante, como também do tabagista passivo, que vem a ser aquele que inala fumaça dos derivados de tabaco, em ambientes fechados. É a chamada Poluição Tabagística Ambiental, assim denominada pela Organização Mundial da Saúde.Ora, a ratio legis é a de cuidar da saúde dos fumantes e não fumantes em locais fechados, independentemente ou não de qualquer solicitação. A Lei Maior determina, de forma taxativa, que a saúde é direito de todos e obrigação do Estado, que adotará as políticas de atuação visando reduzir o risco de doenças e de outros agravos. A lei proibitiva do fumo, agora de alcance nacional, seguiu a sinalização indicada.
Chegou-se a alardear, ainda que à boca pequena, que o uso do cigarro eletrônico, não se enquadrava na proibição legal, pois as baforadas não carregam fumaça e sim vapor e não há queima do tabaco e alcatrão. Interpretação tão canhestra como o vício do tabagismo. A determinação legal diz em seu artigo 3º: “É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos, narguilé ou outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado” Ao lançar mão da conjunção alternativa “ou”, por duas vezes, o legislador pretendeu, de forma inequívoca, alcançar todas as situações que carregam semelhança com aquela lançada como regra. É uma perfeita adequação de compatibilidade, sem fugir do escopo principal da lei. Ou, como o sempre arguto Maximiliano observou, “a norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida”.[1]
A lei tem por finalidade balizar as condutas das pessoas que vivem em comunidade para que seja possível atingir uma convivência harmônica. Para tanto, não só traça as normas do permissivo, como também traz as sanções para os transgressores. A lei, em suma, é aquilo que o poder encarregado ordena vez que há uma transferência da autorização popular pelo voto, como ordena o texto constitucional ao anunciar que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos.
Há leis que caem na graça popular e transitam sem qualquer incidente com relação a sua execução, embora carreguem acentuada dose de restrição ao comportamento coletivo. Trata-se de uma ferramenta eficiente e garantidora dos direitos e das liberdades dos cidadãos. A lei antifumo “pegou” nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que possuem regulamentação desde 2009 e, ao que tudo indica, a legislação federal não encontrará qualquer obstáculo para ser cumprida por parte da coletividade, por ser conveniente, oportuna e necessária. A lei tem um papel regulador no fenômeno social justamente para buscar uma concepção de sociedade justa, além de sua força coercitiva, onde todos são iguais perante ela e sua eficácia atinge erga omnes, compreendendo aqui o direito de uma pessoa exigir a obediência de outras.
A lei só se encontra em sintonia com o consenso popular quando privilegia o bem-estar social ou quando apresenta propostas que possam atender as necessidades básicas e fundamentais previstas na Constituição Federal, além de abrir caminho para a atuação da justiça distributiva, com atendimento de todas as pretensões de uma sociedade. Não se pode olvidar que a fonte originária da construção de um regramento é o anseio do povo, representado por manifestações reiteradas, já testadas suficientemente e que necessita somente da homologação do Estado.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, membro Relator ad hoc da CONEP/CNS/MS, reitor da Unorp;
Pedro Bellentani Quintino de Oliveira, bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie, advogado, mestrando em Direito pela Unesp/Franca.
[1] Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 125.
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